15 - Rufino, o improvável nobre cavaleiro - conto
NOTA PRÉVIA: Chamaria a este texto um "conto-implante", na medida em que, sendo escrito no intuito de introduzir o visitante na realidade histórica, geográfica, sociológica e ambiental desta ilha tão especial, serve-se da imaginação no que toca à inserção da personagem principal num contexto real, desenhando perspetivas um tanto criativas para o futuro, mas respeitando o quadro em que a ilha do Fogo se desenvolveu ao longo de mais de cinco séculos... Por isso, é oportuno aduzir aqui a máxima de que "qualquer semelhança com pessoas e factos reais contemporâneos será eventualmente pura coincidência"...
Dizem os entendidos em vulcanologia que em tempos ignotos o imponente vulcão da Ilha do Fogo se elevava a uma altitude de 3.500 metros, e que o topo era um cone pontiagudo expelindo fumos e chamas pela respetiva cheminé.
Quando,
acabados de ancorar na baía a que deram o nome de Ribeira Grande, no sul da
ilha que chamaram de São Jacobo (Tiago), a 1 de maio de 1460, Diogo Gomes e
António Da Noli não viram a oeste nem fumo nem fogo. Mas aquele cone imponente de
ponta decepada emergindo das nuvens, bem para além da distância de um tiro de
canhão, sem que enxergassem a base que lhe dava sustento, imersa em neblina, aguçou
neles a curiosidade de procurarem observar mais de perto o que seria esse
quinto território de um arquipélago até ali desconhecido, o qual logo trataram
de denominar de São Filipe, por ser também o dia deste santo, de par com São
Jacobo.…
Os protofoguenses
Satisfeita
a curiosidade, a volta que depois deram à ilha revelou uma acessibilidade
difícil, e só anos mais tarde seriam já os primeiros povoadores, enviados de
Portugal por D. Fernando, entretanto constituído seu proprietário pelo rei D.
Afonso V, seu irmão, a aportarem à extensa praia de areia negra no seu extremo
mais ocidental, e a galgarem o rochedo fronteiro para ali estabelecerem o
primeiro núcleo de residentes, a que depois se juntou um contingente de
escravos, resgatados nos rios da Guiné, mas já ladinos[1],
por terem entretanto estagiado na Ribeira Grande de São Jacobo, onde estiveram
entre os protagonistas mais precoces na rápida formação da linguagem crioula,
fruto do contacto existencial entre reinóis e guineenses, em especial dos mais
novos que ali iam nascendo, crescendo e convivendo, sem preconceitos nem
entraves, como é próprio das crianças, frontais, perspicazes e criativas; por
outro lado, com duas ou mais comunidades tão díspares em presença, gerou-se naquela
nação nova que ali despontava uma novíssima atmosfera cultural, à época pressionada por
uma pulsão cristianizadora empolgada, mercê em especial da incumbência papal denominada
de Padroado Português[2],
garantida mormente pelos soldados-missionários da Ordem de Cristo, e por isso a “ladinização” incluía, a par da introdução
da língua portuguesa como veículo de entendimento e cimento cultural, o batismo
na respetiva fé, o que implicava a catequização e a introdução nos preceitos,
mandamentos e rituais da liturgia e dos sacramentos católicos.
Durante
50 anos o afluxo de protofoguenses foi crescendo, mas não perdurou registo conhecido
de detalhes mais precisos deste processo naquele período, em grande parte
porque o grosso dos documentos da época viria a ser destruído, primeiro pelo
incêndio do Tombo Velho da Ribeira Grande, ateado em 1585 pelo famigerado
corsário Francis Drake, ao serviço da Coroa inglesa, e depois, em 1712, a
biblioteca do paço episcopal, agregada à Sé Catedral, pereceria em novo
incêndio, desta vez ateado pelo corsário francês Jacques Cassard, ao serviço do
rei Louis XIV de França.
O que se
sabe é que boa parte da ilha, mormente entre as quotas de 400 e 700 metros de
altitude, e a leste da localidade agora conhecida por Achada Furna, por sua vez
a sudoeste da grande cratera, circundando a ilha até Feijoal e Mosteiros, a nordeste,
na vertente oposta do vulcão, deu provas de grande fertilidade, pelo que por aí
se foi expandindo a população e trabalhando a terra com resultados
surpreendentes, conseguindo duas colheitas de algodão por ano, café, uvas,
maçãs, marmelos, purgueira, gado caprino e cavalar, queijo, peles: mais que o
suficiente para atrair novos colonos e novas levas de escravos, ao ponto de o
século XVI ter despontado na ilha com uma população de milhares, laboriosa e
organizada, embora oscilante, ao sabor das lavas e tremores ribombados
periodicamente pela temível caldeira, ou das secas severas, que cerceavam o
cultivo de alimentos. O número de residentes na ilha foi crescendo ainda assim,
e regista-se que chegou a 13.000 em meados do século XVIII, mas desceu a 5.700
a seguir à seca severa de 1773-75, recuperando depois até ao início do século
XIX, crescendo até 16.000 no início do segundo quartel deste século, mas
voltando a descer para 6.000 com a fome do início dos anos 30, num sobe-e-desce
que só após a grande fome dos anos 40 do século XX haveria de se regularizar,
com medidas coloniais mais assertivas, e depois com a independência…
A
Governança
No que
toca à governança da ilha, se durante os séculos XVI e XVII os soberanos de
Lisboa foram nomeando para o Fogo sucessivos capitães-mores da linhagem do
Conde de Penela, João de Menezes e Vasconcelos, coadjuvados por um almocharife[3],
um escrivão, um alcaide de mar[4],
um fiel de peso[5],
um meirinho de Correição[6],
um alcaide da ilha, um tabelião[7]
e um escrivão dos órfãos[8],
já D. João IV, que reinou na primeira metade do século XVII, chamou de novo a
si e a Lisboa a propriedade e o governo da ilha, que entretanto, na segunda
metade do mesmo século, passaria para as mãos da Companhia Geral de Comércio de
Grão-Pará e Maranhão, de triste memória, com estabelecimentos em S. Filipe e
Mosteiros.
O regime
camarário vigente na Metrópole, que de há muito estava solidamente implantado
em Santiago, só no século XIX acabou por vingar na Ilha do Fogo, quando um
conjunto de famílias nobiliárquicas ou burguesas oriundas do reino, quer da Metrópole quer da Madeira, ostentando nomes como Vasconcelos (este já então bem
conhecido na ilha), ou Medeiros, Barbosa, Roiz, Nosolini, Macedo, Martins,
Monteiro, Medina, Carreira, Sacramento, Fonseca, Vicente, Pires, Rodrigues, entre
vários outros, aparecem a multiplicar a construção de sobrados em S. Filipe e
nos Mosteiros, a partir dos quais governam as culturas agrícolas e pecuárias, o
comércio e, claro, a política local.
Por essa
altura Chã das Caldeiras era ainda observada com distância e temor, sentimento alimentado
pela memória das sucessivas erupções cíclicas, entre as quais a de 1500, na
qual terá ocorrido ainda o afundamento de alguns montes à volta do cone-cheminé
principal, ou a de 1680, acompanhada de fortes terramotos, apavorando de tal
modo as populações que boa parte fugiu para a Ilha Brava.
Só em
1826 é que um primeiro residente, um foragido espanhol de nome José Bairado
Luzido, ousou escalar pela primeira vez o Pico e aí observar a cratera central,
onde deu conta da existência de alguns minerais eventualmente com interesse
comercial, caso do enxofre, da “escontra” ou “salitre” (sulfato de sódio), da
“caparosa” (vitríolo) e da pedra hume. Recolheu mesmo, em umas segunda e
terceira escaladas, estas já patrocinadas pelo Administrador do Concelho, à
data João Gomes Barbosa, descendo à cratera com a ajuda de cordas, amostras
desses produtos, de seguida enviadas ao Capitão-Geral recém-empossado na Praia,
João da Mata Chapuzet, que por sua vez as remeteu para análise ao Diretor do
Laboratório da Escola Politécnica de Lisboa, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel,
acabando porém por não ser encarada a hipótese da respetiva comercialização,
por a relação custo/benefício não compensar.
Condimentos
para uma metamorfose social
No
dealbar do século XIX os horizontes da Ilha do Fogo apresentavam-se, neste
quadro híbrido, prenhes de promessas, mas também de desafios. Por um lado, o
controverso Manuel António Martins aparece no arquipélago como exemplo acabado
de oportunismo, que faz balancear ao sabor dos ventos, de interesses próprios e
retaliações, a economia e a política de Cabo Verde, entre o liberalismo
pedrista e o absolutismo miguelista, ancorado numa posição económica
privilegiada construída mormente com a exploração do sal nas ilhas de leste,
que lhe valeu o epíteto de “senhor das ilhas” e, em 1834, o cargo supremo de Capitão-Geral[9],
cujo exercício fazia lembrar um pouco o do temível e malogrado capitão-mor da
Ribeira Grande, António de Barros Bezerra de Oliveira, um século atrás.
Em 1835,
com a Câmara Municipal já solidamente estabelecida em S. Filipe, dominada pelos
Medina & Vasconcelos, ressalta já o despique que se acentuará nas décadas a
seguir entre os estratos sociais, contenda de que é exemplo uma troca de ordens
e contraordens entre a Câmara, a Administração da Praia e o Bispado, quando os
edis José Joaquim Vieira de Vasconcelos, José do Sacramento Monteiro, Joaquim
Inácio da Silveira, José dos Reis Pires e Manuel Caetano Franco Sousa, se
queixam em missiva ao Capitão-Geral, de que “quatro confrarias de pretos
intituladas Reinados, em certas alturas do ano saíam de S. Filipe a espalhar a
desordem, pediam esmola em todas as casas e cobravam duzentos reis em cada uma
em que entravam para rezar o terço”… E conseguiram, embora a retardamento, dois
anos volvidos, a ordem de dissolução dessas confrarias, mas o Governador do
Bispado, António Carlos de Araújo Gomes, que rececionou o documento, fez
ouvidos de mercador, alegou que a Confraria de Nossa Senhora já havia partido
de S. Filipe para o interior à data em que recebeu a notificação, e aproveitou entretanto
para enaltecer, discordando das autoridades civis, a importância das
confrarias, que de resto eram responsáveis por garantir as coletas que
promoviam anualmente o principal sustento da paróquia de S. Filipe. E o certo é
que as Confrarias e Reinados, em número superior a dez, continuaram a funcionar
regularmente, saindo pelos Reis, em princípios de janeiro, de S. Filipe,
compostas por três homens honrados cada, um chefe, um portador da bandeira e um
tamboreiro, de visita a todos os povoados da ilha, durante 40 dias, que
evocavam a permanência de Jesus no deserto, e de volta traziam as oferendas que
entregavam na igreja de S. Filipe, subtraídas as despesas de custo…
Por outro
lado, desembarca no Fogo um personagem que viria a marcar a ilha, o aventureiro
francês Armand, mítico e prolífico Conde de Mont Rond, mais precisamente
François Louis Armand Fourcheut De Mont Rond, chegado a S. Vicente em 1860 e aportado
em 1872 a Ribêra Djeu, com a sua primeira companheira Domitília e a primeira filha,
Jacinta, com 3 anos; agricultor em Atalaia, exportador de vinho clarete e de
café para o Reino, construtor de estradas, fontes e cisternas, dispensador de
cuidados médicos, grande sedutor e patriarca de uma extensa descendência, fruto
de amores que consolidou com as sete jovens mães dos seus numerosos filhos, e, ao
que parece, dotando cada uma com um sobrado, em S. Filipe, Mosteiros, Genebra,
Baluarte e Achada Maurício, descendência que proliferou pelas encostas e fez mais tarde,
a partir de 1917, de Chã das Caldeiras um éden de gente exótica, olhos claros,
cabelo louro e crespo, tez cúprea, fazendo jus à vocação da nação cabo-verdiana
para a crioulidade.
Um outro
pilar genealógico de relevo que subsistia na ilha, a par dos recém-chegados
nobres da Metrópole, era a estirpe igualmente nobre dos Távoras, introduzida inopinadamente
em meados do século anterior por Marcelino José, cognominado localmente de Nhô
Capiton, foragido do despotismo iluminado do terrível Marquês de Pombal,
afilhado e protegido de D. Maria I, que o fizera embarcar às escondidas de
Sebastião José de Carvalho e Melo com a identificação pseudónima de Henriques,
com escolta para o Brasil, mas ele e a sua comitiva acabaram por ficar-se pela
ilha do vulcão por ali ter encalhado, nos baixios de Rui Pereira, defronte da
Ribeirinha, à vista de Santo António e S. Lourenço, o navio em que seguiam, vindo
ele a acabar por exercer nas ilhas do Fogo e Brava as altas funções de
capitão-mor, enquanto o seu protetor, João Cláudio Mendes Rosado, ficaria à
frente das delegações da Companhia Grão Pará em S. Filipe e nos Mosteiros. Em
memória do naufrágio, do qual todos os ocupantes do navio foram salvos, estes
náufragos muito especiais mandaram construir no local sobranceiro à praia, em
frente aos baixios, uma capela dedicada a Nossa Senhora da Luz, que mais tarde
originou uma das sete Bandeiras festivas da ilha, celebrada no início de
setembro, a par das de S. Sebastião (20 de janeiro em S. Filipe), S. Filipe (1
de maio, em S. Filipe), Queimada (no Guincho, a 6 de maio), S. João (24 de
junho em S. Filipe), S. Pedro (29 de junho em S. Filipe), e Nossa Senhora do
Socorro (13 de outubro na Ponta de N. Sra. do Socorro, à vista do Monte
Genebra).
A aurora
Foi
também no decorrer deste século XIX que o relógio da História foi soando as
badaladas da alvorada a caminho da progressiva libertação oficial dos escravos
no Ocidente, abrindo-lhes finalmente a aurora da liberdade e da dignidade até
então negadas, com profundas consequências no ordenamento social das populações
e, como corolário, com a abertura do poder económico e político a uma nova geração de “brancos da terra”, uma expressão inovadora que vincava a particularidade do
processo de miscigenação em Cabo Verde: era “branco da terra”, independentemente
do tom da pele, quem vencesse na vida, amealhando conhecimento, relacionamentos,
honra, bens e dinheiro. Apesar de a estratificação social, muito vincada no
Fogo, se ter prolongado até tarde, uma onda crescente de cidadãos crioulos, que
iam marcando presença nos andares térreos dos sobrados, foi desempenhando
responsabilidades acrescidas no comércio e nos ofícios, como a de mordomos ou de
feitores, e mesmo ocupando cargos na administração pública.
O médico e
escritor Henrique Teixeira de Sousa haveria, já em meados do século XX, de
retratar a progressiva transformação da sociedade oitocentista e novecentista do
Fogo, na sua obra-mestra "Ilhéu de Contenda" e num trabalho publicado na revista Claridade em 1958 ("Sobrados, Lojas e Funcos"), numa estratificação lapidar em
quatro camadas, dominada por uma minoria de brancos, morados nos andares de
cima dos sobrados, que construíam em duplicado, em S. Filipe ou nos Mosteiros e
no interior agrícola; secundados por mulatos, mestiços filhos de pai branco e
mãe mulata ou negra; ou mulatos de segunda geração, filhos de pai e mãe
mulatos, uns e outros ocupando-se de diversos ofícios ou mesmo de missões de
gestão, alguns deles morando no rés-do-chão das próprias casas dos
terratenentes; e finalmente o povo predominantemente negro, agrário, tarefeiro
e pescador.
Mas este
ordenamento estava longe de ser estático, e no seio do povo foi despontando a
ambição natural de superação e ascensão social, bem traduzida num refrão que se
foi insinuando e espalhando desde o século XVI nos funcos e nos povoados, e que
rezava assim:
Branco ta morâ na sobrado,
Mulato ta morâ na loja,
Nêgo ta morâ na funco,
Santcho[10] ta morâ na rotcha.
Ta bem um dia,
Nhô Trasco Lambasco,
rosto
frangido, rabo cumprido, ta corrê co nêgo di funco,
Mulato co branco di sobrado,
Branco ta bá rotcha, el ta tombâ…
Na
caminho di América
É neste período do entardecer do mesmo
século XIX e nestas circunstâncias únicas que começa a desenhar-se a história
de Rufino Henriques.
O seu avô, Diogo Henriques, benjamim
de Nhô Capiton, acabara de falecer, em 1884, deixando viúva D. Ester, com 3
filhos menores, na sua herdade de Curral d’Ochô, a umas duas léguas de S.
Filipe, onde a cultura do café e da vinha, antes produtiva, tinha caído a
pique com os três anos de seca, de 1863 a 1866, e demorava a recuperar, decorridas
que eram já quase duas décadas, tanto mais que em 1883 sobreviera nova seca, que se prolongaria até 1886, obrigando o seu pai, Rodolfo Henriques, filho primogénito
de Diogo, ainda pouco mais que um adolescente, a embarcar em um dos veleiros que à época demandavam regularmente S. Filipe, onde procediam à trasfega do óleo extraído dos
cetáceos arpoados em alto-mar pelos baleeiros americanos, para um veleiro que seguia
direto a caminho da América. Rodolfo chegou a Pawtucket, Rohde Island, perto do
Natal de 1887, onde foi acolhido por uma tia materna, que entretanto enviuvara
e trabalhava em Providence numa fábrica de têxteis, onde imediatamente ele foi também
admitido como operário, em ambiente quase familiar, pois Matilde, a tia,
encaminhava quem ia chegando de Cabo Verde para a fábrica, disponibilizando,
além disso, a sua casa espaçosa para convívios que aos domingos, após a missa
na igreja de S. João Baptista, na Quincy Av., recriavam quanto possível o
ambiente aconchegado da pátria-longe, entre mornas, cachupa, djagacida[11]
e caldos de peixe, tão próxima que ela vivia do mar e do porto de chegada dos
veleiros que faziam naveta para Cabo Verde.
Não faltaram na América apoio e calor humano a Rodolfo, que por ali teria ficado, não fora a saudade que lhe ia progressivamente tomando conta da alma, da sua Djarfogo, dos familiares e amigos escapados à fome, mas sobretudo de Jacinta, uma bela crioula, como ele, que deixara já rapariga, em Genebra, um povoado fundado por Montrond, em memória da bela cidade suiça de Genève, e com quem trocava, no período da colheita do café, olhares cúmplices do terreiro para a varanda do sobrado que nhu Armand di França (assim foi cognominado Armand em Atalaia) construíra para a primeira das suas mulheres pouco antes da sua partida para a América, olhares esses que tinham logrado encontrar correspondência por parte da Jacinta, da varanda para o terreiro, quando ele transportava carradas de uvas em dornas para o lagar da D. Domitília, por altura das últimas vindimas nos vinhedos de Lapa Cavalo, nesse cada vez mais nostálgico ano de 87; olhares tão comprometidos, que atingiram em cheio a sua sensibilidade a despertar para a volúpia, desencadeando uma paixão que o ia possuindo, preenchendo cada vez mais os seus pensamentos e desejos, alimentados por mensagens em cartas calorosas que trocavam amiúde, ao ponto de ele nem sequer reparar nas investidas das jovens namoradeiras suas colegas de trabalho em Providence.
Regresso
de Rodolfo
Foi assim que Rodolfo decidiu regressar,
na primavera de 1898, já com 25 anos e um pé de meia, a Maria Chaves, para onde
se tinham mudado entretanto a mãe Emília e as duas irmãs, ambas mais novas que
ele, um reencontro que se prolongou entre abraços, lágrimas de alegria e
relatos sentidos das mudanças ocorridas naqueles 9 anos de ausência, em que a
Elisabete, agora com 23 anos, casara e era já mãe de um bebé reguila, de
olhos grandes e observadores, e a Carolina era uma bela moça de 19, vivaça e
com ideias de singrar na vida fora da lavoura e mesmo fora da ilha, um propósito
que se agudizou com os relatos da América do mano acabado de voltar, e um desígnio
que se lhe foi insinuando com ligeiro perfume de terra prometida, mau grado o tom de distanciamento subjacente
às descrições de Rodolfo, próprio de quem lá passou o cerne da juventude mas de
lá quis voltar, movido pela nostalgia, uma vivência que décadas mais tarde a
mindelense Albertina Rodrigues haveria de interpretar com voz pungente, em
versos de uma morna de outro sãovicentino, Francisco Xavier da Cruz:
Oli-me na meio di mar
Ta sigui nha distino
Na caminho di América.
É si triste dixá nha terra
Sima é triste dixá nha mãe.
Só bô bem morá na nha peito.
Dixá-m bai pa’m ca morrê.
Bai terra longe
É distino di home,
É distino sem nome
Qui nô tem qui cumpri.
Dicham sigui nha distino
Qui é distino di meu
Pa’m ba dixá nha mãe.
Só bô bem morá na nha peito.
Dicham bai, pa’m ca morrê...
Mas pouco se demorava Rodolfo em
Maria Chaves, de tal modo o coração o atraía para Genebra, onde o prendia como
um íman o fulgor de Jacinta, de quem mal podia despedir-se quando, após aquelas
horas mais de olhar e empatia do que de conversa e razão, caindo o crepúsculo,
a mãe Domitília batia ao de leve lá em cima com um manduco na barra de madeira
da varanda, sinalizando a hora de regresso da filha aos aposentos.
Foram dois anos e meio de namoro,
mas os horários cada vez mais espaçados e reduzidos, pois que quer Rodolfo quer
Jacinta tinham de garantir os afazeres de casa e das quintas, apressaram, para
gáudio de ambos, a marcação do casamento.
Jacinta e Rodolfo contraíram
matrimónio na capela de Nossa Senhora do Socorro, em junho de 1901,
aproveitando os festejos do S. João. Uma festa de arromba, facilitada pela
retoma agora plena das colheitas e pelo número crescente de cabeças de gado,
quer em Genebra quer em Maria Chaves, pese embora as perspetivas sombrias que de
novo se desenhavam no horizonte. Uma boda que simbolizava, no dealbar do século
XX, sem que os noivos, absorvidos pelo romantismo do namoro, disso se
apercebessem, a ascensão dos crioulos e das mulheres na economia e na sociedade
foguenses, uma vez que quer Domitília quer Ester, mulheres independentes, se
tinham tornado terratenentes com posses de terras e sobrado, e promoviam agora a união de
duas famílias burguesas com créditos firmados na ilha. Como não podia deixar de
ser, marcaram presença na boda a mãe e as irmãs de Rodolfo; o pai de Jacinta, nhô Armand e a mãe Domitília; as 'tias' Jesuína, Clementina, Camila, Josefa, Antónia e Guilhermina, combossas[12] de Domitília; os edis e algumas personalidades de S. Filipe; e,
naturalmente, todo o pessoal das quintas de Maria Chaves e Genebra, envergando
as melhores roupas domingueiras, garantindo o serviço da receção, dos
aperitivos e da mesa.
Nhuco, o
berço de Rufino
Seguindo o aforismo popular
segundo o qual “quem casa quer casa”, Rodolfo e Jacinta resolveram ir viver
para Nhuco, onde o pai Diogo Henriques tinha adquirido em tempos uma casa de
campo, há muito desocupada, por morte dos caseiros durante a fome de 1864, com
uma pequena propriedade que descia do Monte até S. Lourenço, na margem direita da
Ribeira de Paxangue. E foi ali que nasceram o primeiro filho, Zeferino, depois
a Ricardina, que infelizmente viria a falecer com 14 meses, a Júlia, o Jorge. E
foi em maio de 1911 que Jacinta deu à luz o quinto filho, Rufino, quando novas
e importantes mudanças se começavam a sentir na política e na sociedade
foguenses, reflexo da instauração da República na Metrópole.
Mas Nhuco, lugar de apenas três
casas, era um oásis de sossego onde quase nada se passava, a não ser a faina do
milho e do feijão, sem contar com as hortaliças e umas fruteiras, no campo da
porta, carinhosamente amanhado por Jacinta, além das galinhas, de um ou dois porcos,
e de meia dúzia de cabras, ao sabor da maior ou menor fartura dos pastos no
declive do monte, onde eram mantidas, arredadas dos campos de cultivo, para ir
abatendo ou vendendo quando chegasse o tempo, enquanto que Rodolfo se esmerava
na produção de abundantes alqueires de milho e feijão, de que vendia em S.
Filipe o que sobejava do consumo da casa, nos anos mais fartos, no
final do verão, e em cuja faina era coadjuvado por alguns jornaleiros da
vizinhança, que subiam de manhã cedo de Lugar Novo e de Pico Pires, trabalhavam
com Rodolfo até ao meio-dia e recolhiam a casa para o almoço, ficando-se à
tarde pelas próprias hortas.
A fixação dos olhares de
Zeferino, Júlia, Jorge, Rufino e mais algumas crianças que subiam à casa de
Nhuco, quando era dia de “stora stora”, no rosto expressivo e como que
transcendido de Nha Cila só se desencantava quando ela, lá para as oito horas, já bem escuro, rematava a sessão do dia com a chave consagrada: “sapatinha ribêra riba,
sapatinha ribêra baxo; quem qui sábi más ta conta midjôr”… Não era raro que
Rufino, o mais pequeno da trupe, acordasse com pesadelos, nas noites das
estórias mais intrigantes de Nha Cila… Nada que Jacinta e Rodolfo não
remediassem prontamente aconchegando-o na sua cama. Escusado será dizer que a
gruta de Gongon era cuidadosamente evitada, quando as crianças, e mesmo os adultos,
iam tratar das cabras à encosta de Monte Nhuco…
Para quem não vivesse em S.
Filipe ou nos Mosteiros, não era fácil proporcionar escola aos filhos, mas
Rodolfo e Jacinta velaram para que já o Zeferino, e depois a Júlia e o Jorge
frequentassem as aulas de aprender a ler, escrever e contar que o respeitável
prof. Ildo Macedo, que lecionara na Escola de Santa Bárbara, na Brava, e se
reformara no início do século, recolhendo-se à casa que tinha sido a dos seus
pais, ali no Serrado, e que fora até um dos convidados do seu
casamento, dispensava às crianças das redondezas, a troco de pequenas
contribuições em géneros. Aos sete anos, Rufino começou assim a acompanhar o irmão
Jorge a casa do professor, descendo pelo carreiro da calabaceira a caminho do Serrado. O professor Ildo era um homem austero e exigente, mas
bondoso, e dedicava-se à meia dúzia de alunos como se continuasse afeto à
Escola, aproveitando o adiantamento dos mais velhos para o coadjuvarem nas
rotinas de aprendizagem inicial do abecedário, da tabuada e da caligrafia dos
mais novos, sem no entanto deixar de seguir pessoalmente cada um e cada uma,
que ajudava com desvelo. Funções que justificavam, com acerto, o prestigioso epíteto de
que desfrutava na região, de Professor do Serrado. Chegada a hora de almoço, os
que vinham de longe comiam com ele à volta de uma mesma mesa no quintal, na
companhia da sua irmã Clotilde, que preparava sempre um miminho doce para completarem
o que traziam de casa na lancheira. À tarde, Clotilde ensinava lavores às
meninas, enquanto que os rapazes se exercitavam no desenho, na aprendizagem de
rudimentos em algumas artes, e na horticultura, até às 5 horas, altura em que
tomavam todos o caminho de casa, onde havia que chegar antes do anoitecer.
Tendo Rufino terminado a primária
com brilhantismo, com prova final prestada em S. Filipe perante um júri vindo
da Praia, o professor Ildo chamou Rodolfo, e procurou convencê-lo a enviar
Rufino para S. Vicente, onde, por esse tempo, funcionava com sucesso o Liceu
Nacional Infante D. Henrique, com professores formados no Seminário-Liceu de
Ribeira Brava, em S. Nicolau, antes do virar do século, e mesmo com alguns
vindos de propósito da Metrópole. ─ Que valia a pena, pois o garoto era
inteligente, disciplinado e aplicado, argumentava.
Mas a família tinha crescido, com
mais duas crianças, ainda pequenas, e além disso tinha decidido ir morar para a
nova povoação de Portela, dentro da grande Caldeira, onde o clima era mais
ameno no verão, e as perspetivas de voltarem ao cultivo da vinha eram
prometedoras.
Adolescência na Caldeira
Assim, a adolescência de Rufino viveu-a
ele na Portela com a família naquela imensa bacia entre o sopé do grande
vulcão, a leste, a falésia abrupta de centenas de metros de altura da Bordeira a
oeste e, contrastando com a negritude da lava que por todos os lados dominava a
aldeia, a floresta cerrada e verdejante de Monte Velha, na vertente norte a
descer para Mosteiros à razão de 30% de inclinação, mas prenhe de vida, onde a
cultura de cafezais, milheirais e pomares sugeria a quem ali chegava que tivesse por
encanto mudado de planeta.…
No resto do ano, a faina
desenrolava-se a norte, entre as ribeiras de Fonte Galinha e de S. Miguel,
passado Monte Velha e abaixo do Monte Espia, nas encostas de Feijoal e Pai António, onde a
família passava a viver, de maio a agosto, numa pequena casa de apoio, na
altura de arar a terra, fazer a guarda das sementeiras, mondar, regar e fazer
as colheitas do milho e do café, cuja torrefação era finalmente confiada à
fábrica, nos Mosteiros.
Mas o Professor Ildo insistia
junto de Rodolfo, sempre que ele descia à propriedade de Nhuco, para que
enviasse Rufino, pelo menos para S. Filipe, aonde se haviam recolhido recentemente três
preceptores acabados de voltar da Brava, onde ensinavam matemática e ciências e,
como ele, se empenhavam em lançar na ilha sementes de um estabelecimento de
ensino avançado, tal como os que já tinham feito história na Brava, na Praia,
em S. Nicolau e no Mindelo.
No
sobrado da tia Josefa
Se para quem vinha de fora da
ilha a cidade de S. Filipe se apresentava pacata e dolente, para quem, como
Rufino, passara a infância no sossego de Nhuco e a adolescência na Chã, aquela
urbe afigurava-se-lhe feérica e buliçosa, comparada com a Caldeira, com o céu
por horizonte, ou entre as vinhas do Monte Losna e os cafezais na ladeira
sobranceira aos Mosteiros, onde os ruídos pouco mais eram que o cantar dos
galos na alvorada e o ladrar ocasional dos cães, fora os serões esporádicos de alguns
sábados à noite em que nhô Mané di Fidjinha subia de Achada Maurício à Portela,
galgando Monte Velha, e juntava o som melodioso das cordas do seu violino, que
fora trazido a Atalaia por Nhô Armand, ao reco-reco e ao chocalho, manejados
por dois moços de Bangaeira, que ritmavam a dança do talaia-baxo,[16] somando-se também os acordes do violão de Zeferino, que se tinha tornado
um exímio executante, num todo que sugeria um misto de géneros clássicos
europeus, como a valsa ou a mazurca, com influências oriundas do continente ao
lado, de géneros como o lundum[17],
ou a nova moda que emergia na vizinha ilha-mãe, o funaná[18]…
Entre toda aquela agitação, à
qual de resto Rufino se habituaria depressa, o trote compassado dos cavalos na
calçada e aquele porte garboso dos animais, variando a passada e a direção,
ensaiando galopes, ou estacionando, consoante as diretivas transmitidas pelo
cavaleiro com as rédeas e as esporas, calou profundamente na sensibilidade de
Rufino, que depressa convenceu a tia Josefa a dar instruções ao Paulino, um dos
melhores cavaleiros do sobrado, a fazer-lhe a vontade, preparando-o para
ascender à honra da cavalaria. Na festa de S. Filipe do ano seguinte já Rufino
apareceu como estribeiro[20]
de Paulino nas corridas, e aos 18 anos já dominava a arte de montar, só não
participando nas cavalhadas porque só quem adquirisse o estatuto de cavaleiro o
podia fazer, além de que tinha de dar provas de outros atributos que exigiam
tempo de tirocínio. Mas não deixou mais de se manter próximo daquele mundo
restrito que em S. Filipe era reservado aos cavaleiros e ao papel que lhes era confiado
nas festas das bandeiras. Enquanto não podia participar nas corridas, Rufino
inscreveu-se como canizade[21]
e durante três anos fez parte do grupo que tomava a bandeira da festa de S.
Filipe, a 30 de abril, em casa do festeiro,[22]
percorria as ruas e as casas de S. Filipe com ela, descia à praia de Boqueirão,
para cumprir um rito que consistia em molhar no mar a base do pau da bandeira,
guardá-la ali até perto do alvorecer e entregá-la ao festeiro no início do dia
da festa (1 de maio).
De
Canizade a Cavaleiro
Aos 21 anos Rufino cumpriu o
desígnio que o apaixonava desde que chegara a S. Filipe: preencheu o
requerimento em folha de papel azul de 25 linhas conforme os regulamentos de
candidatura a cavaleiro, entregou-o na Câmara à Comissão Arbitral Orientadora
das Festas de Bandeira, provou que era idóneo para a cavalaria, pois tinha comportamento
comprovadamente irrepreensível, correto e respeitoso, dispunha de vestes a
rigor, não se embriagava, era católico praticante. A sua candidatura foi
aceite, e o respetivo registo ficou guardado na Câmara, abrindo-lhe caminho à
participação como cavaleiro em todas as cavalhadas da ilha a partir de então.
As duas décadas que se seguiram
foram para Rufino Henriques ao mesmo tempo laboriosas e rotineiras, depois de
casar com Adelaide Vasconcelos, de quem veio a ter 7 filhos, com o abastecimento
e as vendas da loja a absorverem-lhe os dias, viagens frequentes a Genebra,
onde a sogra, já idosa, tinha passado a gestão da herdade para um feitor; a
Chã, onde os pais, irmãos e cunhados prosseguiam na exploração das vinhas em
Monte Losna e dos cafezais e hortas no Feijoal, alternando com a herdade de
Nhuco, que tinham cercado de um extenso tapum[23]
e transformado em quinta pecuária; ou mesmo a Achada Maurício, onde a tia
Clementina continuava a gerir os campos, após a morte do Conde.
Os meses mais animados de cada
ano eram invariavelmente os de maio e junho, com a sucessão das festas das
bandeiras na cidade (1 de maio, 24 e 29 de junho) e na Queimada a 6 de maio,
sem contar a de Nossa Senhora do Socorro, em Genebra, no mês de outubro, e a de
S. Sebastião, ainda em S. Filipe, mas em janeiro, na altura em que se
constituíam as Confrarias e Reinados,[24]
que partiam durante mais de um mês pelo interior de toda a ilha. Só entre
1941 e 1943, e depois em 1947 e 1948, com as últimas grandes secas, que
provocaram milhares de mortos na ilha, pela fome e epidemias que desencadeou,
é que não foram celebradas as bandeiras.[25]
Mesmo a erupção do vulcão de junho de 1951, que destruiu algumas casas em
Bangaeira, na Caldeira e em Cova Matinho, com a lava a escorrer dos montes
Orlando e Rendall, acabados de se formar, não afetou a festa de S. Filipe, pois
já tinha ocorrido antes…
De Cavaleiro
a Festeiro
Rufino tinha 44 anos quando, no
ano de 1955, decidiu tomar a bandeira de S. Filipe da mesa do júri da festa, na
tarde do 1º de maio, das mãos do Presidente da Câmara, responsabilizando-se
assim pela organização da Bandeira do ano seguinte, 1956. Não era para qualquer
um, tendo em conta o denso historial desta festa tão marcante desde tempos
imemoriais, com um peso histórico, religioso, social, artístico e emocional,
que juntava a tradição veiculada pelos nobres vindos da Metrópole no século
XVI, para os quais uma bandeira, fosse da Nação, da Câmara ou de um dos muitos
santos populares, tinha foros de algo sagrado, transcendental, ao ritual do
pilão, tornado ícone da vertente cultural africana, tudo caldeado na argamassa
de simbioses, aculturações e erupções criativas que as festas das bandeiras
foram agregando. Houvera mesmo um longo período, no início do século, em que a
bandeira de S. Filipe permanecera ‘enterrada’ na igreja, por receio dos
virtuais candidatos a festeiros de incorrerem num mau olhado que o último tinha lançado ao entregá-la, com ameaça de morte para quem ousasse ‘desenterrá-la’…
E foi graças a um grupo de jovens destemidos, que se intitulou de Sete Estrelo,
que em 1917 a bandeira voltou a ser ‘desenterrada’ e as festas anuais retomaram
o seu curso…
Ombrear com nomes como João de
Sousa Macedo, Manuel Ribeiro de Almeida, Alberto Gomes Barbosa, Pedro Gomes
Barbosa, João Emílio Leite ou o próprio tio António Henriques era uma
responsabilidade para a qual dispunha de um ano para se preparar. Mas Rufino
tinha todas as condições para superar o desafio: dispunha do usufruto de um dos
melhores sobrados de S. Filipe, transacionava na loja boa parte dos bens
agrícolas e pecuários que eram produzidos nas herdades de Genebra, Monte Losna,
Feijoal, Nhuco e até de Achada Maurício, dispunha de um excelente grupo de
empregados, e sobretudo dominava de fio a pavio os meandros algo complexos da
organização da festa, que ao longo de treze anos tinha acompanhado bem por
dentro, como cavaleiro experimentado que já era, pois ganhava regularmente
corridas, na velocidade e na perícia de enfiar argolas em vara ou de colher
grinaldas com a cabeça, em andamento, ou mesmo na corrida das rosas, em que
dois cavaleiras galopam de mãos dadas.
Nos finais de abril de 1956 tudo
estava a postos: uma verdadeira colina de trinta alqueires de milho pronta a
pilar no quintal; um touro alentado e luzidio de 2 anos e 4 bodes capados, trazidos
de Nhuco para abater; oito rapazes prontos para o canizade; uma boa dezena de
cavaleiros preparados para as cerimónias da bandeira e para as corridas; dois
grupos de três coladeras[26]
comandadas por Nha Idalina e Tintina de Mané di Bedja e três tamboreiros, bem
ensaiados, liderados por Titchiti e Valdomiro Dias; Papa Querena, aos comandos
das colexas[27];
garrafões de grogue, dois pipos de manecon da última colheita, trazidos da
adega de Bangaeira, dois grandes pilões e respetivos grupos de três "cochideras"…
…
É quel djagacida.
Quel café cu lêti,
É gofongo midju,
É quel quêju árbu[30]
Pa bu trâ di sintchu[31].
É quel cabidela
Di sangui cabritu,
É dipôs quel cárni,
Oi, quel cárni fritu,
É quel djagacida
Cu quel modju sábi…
Na terça-feira, o dia grande começou
ao cantar do galo, com o rufar dos tambores e foguetes a estralejar. Às 8:30 as
coladeiras lançavam briais “di cabalêru” que servem de voz de comando aos
cavaleiros para reunirem, e irem, montados, sempre ao som dos tambores, tomar a
bandeira na casa do festeiro, depois descerem à Câmara Municipal a obter nova
autorização do Presidente para as corridas, acontecendo logo ali a primeira do
dia; o grupo desce um pouco mais, ao local da antiga capela de S. Filipe, onde os cavaleiros recebem grinaldas de ramos verdes, e, descendo ainda mais à praia
do Boqueirão, ali fazem a segunda corrida do dia, na qual os cavalos são
conduzidos a molhar os cascos na água. Segue-se o pequeno-almoço de cavaleiros,
tamboreiros e coladeiras, trazido em cestos pelos porta-bandeiras do interior
da ilha. Depois todos subiram à Igreja Matriz para a missa, cumprindo-se
diversas praxes oficiadas pelos cavaleiros, em modo de guarda de honra, e de
seguida a procissão, em marcha lenta, encetada pelo respetivo brial das
coladeiras, de pronto secundado por tamboreiros e cavaleiros…
Após uma terceira corrida, os
cavaleiros foram convidados a subir ao primeiro andar do sobrado, para
almoçarem com os grandes da terra, enquanto no quintal foi servido cherém com djigoti[33]
aos tamboreiros, coladeiras, piladeiras, colexeiros e porta-bandeiras, e a dezenas
de populares que também se apresentaram para o repasto.
De tarde, os cavaleiros foram
envergar os trajes de jockey, enquanto os estribeiros ficaram de guarda aos
cavalos, e, pelas quatro da tarde, sempre ao som dos briais e dos tambores, dirigiram-se
de novo à Câmara a solicitar uma última vez autorização, agora para o início da
grande corrida, no Alto de S. Pedro. Foram doze os cavaleiros que concorreram
nesse ano, com provas de velocidade e de perícia (singulares, de mãos dadas, de
grinalda a recolher de cabeça, de cestos e de outras habilidades demonstrativas
de domínio da arte de cavalgar…). As competições terminaram ao escurecer, com a
entrega da bandeira na mesa do júri, que a enrolou e ficou a aguardar quem se
apresentasse como festeiro para 1957.
O prestígio de Rufino Henriques
subiu ao mais alto com as festas de 1956, e o brilho foi tanto mais intenso
quanto, paradoxalmente, ninguém levantou a bandeira nos anos que se seguiram,
certamente por temor dos potenciais candidatos da inevitável comparação que o
povo sempre faz entre a prestação dos festeiros de um ano para outro. Mas nem
por isso Rufino procurou tirar daí dividendos pessoais; pelo contrário, foi
sempre encorajando os amigos a avançarem e levantarem a bandeira na igreja,
prometendo mesmo ajudar quem se decidisse a organizar a próxima festa.
Entre os quarenta e cinco e os sessenta
anos a vida de Rufino prosseguiu no sobrado em S. Filipe, com a loja a fervilhar
de atividade, não só mercê do incremento da produção agrícola (sobretudo as
culturas de Curral d’Ochô e Maria Chaves, cuja área se foi estendendo a Lapa
Cavalo e Lavrada, subindo até Miguel Gonçalves; mais acima, os vinhedos e
pomares de Monte Losna; a norte, os cafezais de Feijoal; e a noroeste os
milheirais de Ribeira Ilhéu e Achada Maurício; não esquecendo a herdade de
Nhuco, que entretanto se tinha alargado a Aguadinha, dinamizada por
Hermenigildo e os outros irmãos que Rufino deixara na casa paterna), como também com o
aumento de transações com os géneros e os materiais de construção importados
que chegavam regularmente à praia do Boqueirão.
Em busca das origens
Com alguma regularidade Rufino viajava à Praia, em negócios com clientes das produções que exportava e com fornecedores dos géneros e materiais que importava, e de ano a ano deslocava-se à Metrópole, para onde tinham partido as duas irmãs mais novas, Clotilde e Maria Alice, prosseguir estudos, e onde aproveitava para averiguar os sítios e os arquivos relativos às origens do seu bisavô Marcelino José, uma investigação que o levou sucessivamente a conhecer os 47 quilómetros do rio Távora, desde Trancoso à foz no Douro, entre a Régua e o Pinhão, e a consultar arquivos vários, na Torre do Tombo, em Lisboa, no Solar dos Távoras, na aldeia de Souro Pires, em Pinhel, ou nas Câmaras Municipais da Guarda, de Viseu e de Lamego. Ficou a saber que as suas raízes remontavam a Ramiro II, que fora rei de Leão no longínquo século XI, e foi descobrindo com emoção nomes da sua linhagem como Rozendo Hermingues (séc. XII), Álvaro Pires de Távora (séc. XIV), Luís Álvares de Távora (séc. XVI) ou D. Francisco de Távora (sécs. XVII/XVIII), que foi vice-rei da Índia. Não conseguiu evitar as lágrimas quando descobriu os seus trisavós, D. Francisco de Assis de Távora, Conde de Alvor, e D. Leonor, Marquesa de Távora, e percorreu-lhe um arrepio dos pés à cabeça quando leu que haviam sido mandados matar os dois por Sebastião José de Carvalho e Melo, Conde de Oeiras, valido do rei D. José I, quando tentou liquidar toda a família dos Távoras, alegando que tinham atentado contra a vida do soberano… O Marquês de Pombal, afastado de Lisboa para Santarém pela filha de D. José, D. Maria I, nunca suspeitou porém que a rainha tivesse protegido Marcelino, seu afilhado, e que a linhagem dos Távoras tivesse vingado na insuspeitada ilha do Fogo com o pseudónimo de Henriques… Afinal, Rufino era filho, neto, bisneto, trineto e mais além numa linhagem nobre, por parte do pai, e os seus filhos herdavam igualmente a condição nobre pelo lado da mãe Jacinta… Rufino perguntava-se porque é que o pai nunca tinha, que ele se lembrasse, abordado com clareza as suas origens, embora pairasse no ar da casa de Nhuco uma espécie de tabu, em referência a crueldades vividas por antepassados, mas que Rufino e os irmãos associavam vagamente às estórias de gongon[34] da gruta do monte. Talvez a explicação estivesse simplesmente no receio, por parte de Marcelino, perpetuado pelos filhos e netos, de que os horrores passados pelos Távoras naquela atmosfera de despotismo da segunda metade do século XVIII em Portugal pudesse pôr em causa o sossego da redenção que Marcelino recebera de prenda de D. Maria, e ele tivesse decidido fazer prevalecer uma espécie de voto de silêncio…
Nos anos oitenta do século XX
começou a chegar à ilha do Fogo uma clientela até então pouco vista: os
turistas. Eram sobretudo franceses, mas também italianos, portugueses, alemães
e mesmo alguns nórdicos.
Rufino já não se detinha muito na
loja, mas interessou-se por esta nova clientela e sempre que se apercebia da
presença no Alto de S. Pedro de gente de fora metia conversa, tanto mais que
dominava razoavelmente o francês, conversava o suficiente em inglês e, é claro,
lidava muito bem com o português e com o crioulo. Ao ponto de passar a ser
solicitado sempre que havia um grupo de visitantes, e até de personalidades individuais
a quem era preciso mostrar S. Filipe ou acompanhar numa excursão a Chã das
Caldeiras, aos Mosteiros ou à Ponta de Salina. Afinal tinha a vida orientada, o
que mais ambicionava era que a sua ilha progredisse, e esta convivência
ocasional e enriquecedora com gente de fora que se dava ao trabalho de vir ao
Fogo parecia-lhe um bom investimento pessoal, embora não quisesse receber nada
em troca a não ser a boa convivência e grangear novas amizades.
O ponto de partida da visita a S. Filipe, que Rufino começava por informar com orgulho ter ascendido de vila a cidade quando tinha 4 anos, era sempre o Alto de Aguadinha, de onde é fácil abarcar toda a estrutura da cidade, entre as ribeiras de S. João, a sul, e da Trindade, a norte, contemplando daí o colorido das varandas, das buganvílias, das acácias rubras, e espraiar a vista no azul profundo e sonhador do mar, até à Brava… Em poucos minutos descia-se dali ao Largo da Cruz dos Passos, onde Rufino explicava que por tradição é pousado o caixão nos funerais sobre a mesa de pedra lá disposta na base da cruz para esse fim, a caminho da igreja, para repouso dos portadores e como azo a uma oração pela alma do defunto; mais alguns minutos e está-se no Alto de S. Pedro, o sítio de maior concentração de sobrados, incluindo o de Josefa e de Rufino, um espaço longo e amplo, e por isso palco central para as corridas de cavalos nas festas das diversas “bandeiras”, assunto que Rufino se comprazia particularmente em explanar, e que os visitantes apreciavam sobremaneira, tal era a minúcia e o colorido com que descrevia cada pormenor das festas tradicionais da cidade, não fora ele um dos seus já históricos atores, primeiro como canizade, depois como cavaleiro, e finalmente como festeiro.
De volta
a Nhuco
Aos 65 anos, aposentado e com a
família bem encaminhada, com o país festejando efusivamente a independência, Rufino
passou a alimentar três novos sonhos que dariam sentido e esperança a um futuro
que ainda antevia longo e promissor.
A vida tinha-lhe confirmado à
saciedade o acerto do aforismo de que “quem porfia sempre alcança” e, pese
embora ter usufruído desde a juventude do solar da tia Josefa, decidiu que construiria o seu. Seria em Nhuco, lá onde nasceu, mesmo na encosta do
monte, dominando os povoados que encheram a sua meninice e de onde conseguia
até enxergar os baixios de Rui Pereira, responsáveis pela fixação na ilha do
seu bisavô, e a capela de Nossa Senhora da Luz, que ele tinha mandado
construir, e cuja bandeira ele, Rufino, se dispunha agora a fazer ressurgir. Haveria
mesmo de restaurar e resgatar a própria nobreza, assumindo de novo o nome, martirizado e esquecido, dos Távoras, e colocaria bem alto, no frontispício de
entrada, o respetivo brasão, cujos azimutes trouxera de Souro Pires.
Outra ideia com que foi tecendo
os seus sonhos foi a de uma via rápida de circulação à ilha, que ligasse, ampla,
direita e plana o bastante, com os túneis e pontes que fossem necessários, Bela
Vista a Tongon, S. Lourenço, Italiano, Mira Mira, Ribeira Filipe, Baluarte; baixasse
a Ribeira Ilhéu e Fajãzinha; circundasse Mosteiros por dentro; prosseguisse por
Lagoa Atrás, Corvo, Achada Grande, Relva; galgasse as ribeiras secas de Fonte
Pedra, Caiada, Coxa de Baleia e Nha Lena; e subisse de novo a Tinteiro,
Espigão, Cova Figueira, depois Figueira Pavão, Dacabalaio, Achada Poio, Salto,
Patim, Forno, Vicente Dias e de novo Bela Vista. Uma circular que deveria ser
complementada com as necessárias radiais, desde logo uma de Lugar Novo a Praia
Ladrão; outra de Ribeira Filipe a S. Jorge e Ponta Salina; uma terceira, ascendente, que subiria de Mosteiros a Feijoal e Bangaeira; depois, a sudeste, uma
de Cova Figueira a Ponta da Fajã; a sul, uma ligação desafogada subindo de
Salto a Monte Largo, a Achada Furna, Cabeça Fundão, até Portela, fechando a ligação
a Bangaeira; ainda, a sudoeste, outra descendo de Patim a Genebra e Nossa
Senhora do Socorro; mais além ainda outra, subindo de Vicente Dias a Coxo e
Miguel Gonçalves; e finalmente, uma ligação com duas vias e separador, baixando
de Bela Vista a S. Filipe. Afinal, o seu avô desbravara a rede rodoviária da
ilha, e havia que merecer a condição de seu herdeiro e continuador, se não já
pela sua mão e da mão de Jacinta, que fosse pela dos filhos, que entretanto tinham
crescido, estudado, e estavam de peito forte preparados para continuar o
caminho em novos patamares de progressão.
Finalmente, o terceiro sonho de
Rufino, mais abrangente, sabia ele que não seria para os seus olhos
contemplarem, quiçá nem para os dos filhos, talvez fosse mesmo uma utopia, pois
tinha consciência de quão difícil seria quebrar barreiras, tão diversas quanto
embrenhadas, desde o isolamento às forças da natureza, à burocracia, aos medos,
aos preconceitos, e até às invejas, que tão amiúde travam o passo a quem quer
andar…
Postado na varanda do seu sobrado
em Monte Nhuco, saboreando com Jacinta postas de moreia frita regada com uma
Strela bem fresca, contemplando o Atlântico, imaginando o navio que trouxera o
seu bisavô a abortar a sua rota ali em frente, contra aquelas rochas de Rui Pereira,
revendo o rumo traçado pela sua madrinha para o Brasil, entretanto gorado, Rufino
intuiu que ele próprio, depois dos seus maiores e de todos quantos povoaram e iam enchendo a sua vida, cumpria um destino cujo futuro não conseguia abarcar,
mas de que os seus filhos e todas as pessoas que criavam e desenvolviam vida na
ilha haviam de tirar tanto mais proveito quanto ele fosse capaz de cumprir a
sua quota parte, na mesma medida ou mais ainda de como tinha consciência de a ter
cumprido até então. E percebeu que o seu papel a partir dali era uma espécie de
magistério de influência, despertando nas mentes e vontades dos seus e de quem
quer que o visitava em Nhuco, horizontes de criatividade e de ação suscetíveis
de lograrem, ao menos a médio prazo, vencer aquelas temíveis barreiras.
- Ø Cova
Figueira /Chã /Mosteiros, um percurso para uns três dias, pernoitando em tendas
ou em Alojamento Local;
- Ø Mosteiros
/Monte de Nhu S. Filipe /Farol /Praia da Fajãzinha (1 dia);
- Ø Cova
Figueira /Praia Grande /Baía de Alcatraz /Farol (1 dia).
- Ø Chã das
Caldeiras /Monte Velha (Fernão Gomes).
Toda uma
panóplia de excursões panorâmicas, com paragens em pequenos povoados, para dessedentação,
recolha de imagens, compras e convívio seria ainda possível organizar sem
grande esforço, e Rufino apontou algumas:
- Ø S. Filipe
/S. Lourenço /Ponta Verde /Galinheiro /Ponta da Salina.
- Ø S. Filipe
/Patim /Salto /Dacabalaio /Cova Figueira /Fonsaco /Mosteiros.
- Ø S. Filipe
/Forno /Luzia Nunes /Monte Genebra /N. Sra. Do Socorro.
- Ø Dacabalaio
/Alcatraz /Farol.
- Ø Figueira
Pavão /Praia da Fajã (dia de praia).
Diversos programas temáticos deveriam também ser montados, como visitas às caves da ilha (Maria Chaves, Chã, Sodade); visita aos cafezais e respetivas unidades de torrefação; ou circuitos gastronómicos, valorizando os restaurantes que se iriam certamente instalando ao longo da via circular ou das radiais.
Poderia por outro lado ser
montado um circuito marítimo, recorrendo a uma embarcação apropriada e cómoda,
facultando a observação dos pontos mais significativos da costa, desde a Falésia
de N. Sra. do Socorro a S. Filipe, Farol de Vale de Cavaleiros, Ponta da Salina,
Morro Djeu, Praia da Fajãzinha, Mosteiros...
Uma visita guiada a S. Filipe,
tal como tantas vezes Rufino já acompanhara, seria, é claro, parte
indispensável de qualquer cardápio turístico, incluindo naturalmente, além dos
pontos de maior interesse urbano e paisagístico, não só o Centro
Interpretativo, como a Casa da Memória, a Casa das Bandeiras, o Museu do
Emigrante, o Polo Universitário do Fogo…
Outros programas estruturantes preconizava Rufino, a quem a provecta idade, já transitando para o século XXI, não tolhia a imaginação nem as aspirações, entusiasmado com os vastos horizontes trazidos pelas novas tecnologias de informação e comunicação, como o de um Plano de Marketing devidamente integrado com
as restantes ilhas, que desse a conhecer nos diversos meios disponíveis,
físicos, sociais, em eventos nacionais e internacionais, ou digitais, tudo o
que a ilha tem para partilhar com quem a queira vir conhecer de perto; o da
formação adequada de guias turísticos, e de um programa de audioguiamento assistido por GPS que garantisse informação adequada, certificada e cómoda, em várias línguas, aos visitantes, desde logo no transfer de chegada, e depois nas diversas excursões disponíveis e, é claro, nos Centros de Interpretação; o da formação de artesãos, devidamente instruídos em design criativo; a definição de
novas reservas naturais, terrestes e marítimas; um Plano Integrado de
Emergência para desastres naturais, tendo em conta a especificidade marcadamente
vulcânica da ilha; e um plano completo de instalação de painéis toponímicos e
interpretativos que fornecessem aos visitantes uma informação explícita,
assertiva e clara da geografia, da história, da fauna, da flora e de outras
facetas ambientais da ilha.
Parecia-lhe particularmente imperdoável que não se aproveitasse a altitude da ilha e a excelente visibilidade da Bordeira para ali se instalar um Planetário, por exemplo no Alto da Cumeeira (2.469m) ou na Bordeira de Cova Tina (2.220m).
E deixou a ideia da instalação em
S. Filipe de um Museu da Emigração, que testemunhasse as experiências-limite
dos que, como seu pai, tiveram que deixar a ilha sem certezas para o futuro, e
que fosse também um símbolo, em contraponto, de presença da diáspora na ilha,
com tudo o que ela tem como potencial de ligação entre as realidades diversas criadas
pelos fluxos migratórios nos diversos tempos e para as diversas geografias, e
sobretudo na geração de atratividade para o regresso à terra das gerações
sucedâneas, certamente enriquecidas de valências diversas, quem sabe, capazes
de concretizarem o que Rufino sonhava como vagamente utópico…
[1]
aculturados
[2] Por bula
de Eugénio IV de 9 de janeiro de 1442 são concedidas à Ordem de Cristo as
terras a descobrir, em permuta pela respetiva evangelização
[3] Cobrador
de impostos
[4] Capitão
do porto
[5] O mesmo
que almotacé. Fiscal de pesos e medidas
[6]
Corregedor. Oficial de Justiça
[7] Notário
[8] Cargo
específico para atender à orfandade
[9] Só no
ano seguinte, 1835, o cargo passaria a ser denominado de Governador
[10] macaco
[11] Cozido
típico da ilha do Fogo, de legumes, feijão, farinha de milho, manteiga de terra, arroz e carnes
[12]
Consorte paramatrimonial
[13]
Adivinhos e curandeiros gentios
[14] lampião
[15] Vinho
da terra, produzido em terreno coberto de jorra vulcânica
[16] Género
musical nascido em Atalaia, tocado com violino, violão, reco-reco e chocalho
[17] Música
dançada antiga, originária da África Ocidental, que esteve na origem do fado
português, da morna cabo-verdiana e do chorinho brasileiro, e que esteve em
voga no século XVIII nestes 3 países
[18] Género
musical recente gerado nas ilhas de Santiago e Fogo (Cabo Verde) a partir da
concertina (gaita), acompanhada de ferrinho (ferro)
[19] Pasteis
e doçaria
[20]
Cuidador de cavalo
[21] Grupo
de jovens que guardavam a bandeira
[22] Tomador
da bandeira, organizador da festa
[23] Sebe
[24] Grupos
de três romeiros que percorriam a ilha recolhendo donativos para a paróquia
[25] Também
não havia festa em anos em que não se perfilava um ‘tomador’ da bandeira
[26]
Mulheres que entoam cânticos rituais nas festas das Bandeiras
[27]
Colexas, ou tchabetas, são baquetas percutidas nos rebordos dos pilões
para marcar mudanças de ritmo dos cantares e danças.
[28] Brial é uma túnica de cavaleiro. Por efeito de catacrese, aplicou-se aqui o termo a pequenos motes cantados pelas coladeiras, servindo de indicativo a vários movimentos dos cavaleiros.
[29] Esmeril.
Aqui, género musical típico da ilha do Fogo, nascido da valsa
[30] branco
[31] Fôrma
de metal ou palha (milho, bananeira ou rede de coco) para apertar os queijos
[32]
Fogueiras
[33] Carne
de bode e cabrito
[34] Alma
penada
[35]
Caminhadas
Comentários
Enviar um comentário