36 - O Triplo Salto

 

Ficaram bem longe os tempos em que Tanha, a jovem e esbelta carregadora incansável e airosa, encantava, com as demais raparigas da “morada”, os rapazes lascivos no “porto”, em que Nhu Chalau mantinha a ordem e a disciplina nos povoados do “norte”, velando sobretudo pela integridade do “tapum”, para que as cabras, as vacas e os burros selvagens não invadissem as culturas, em que Nhu Naia superintendia, do alto do seu cavalo, no carregamento de carvão e cal nos barcos que demandavam os portinhos da ilha, em que Nha Compa calcorreava os caminhos puídos das ribeiras secas a consertar sacos de sarapilheira junto aos fornos, em que o lundum era ponto alto nas cerimónias de casamento, aos sábados, ou em que Maria Barba cantava mornas ao senhor Tenente na Povoação Velha, num mundo hermético mas regulado, certinho e previsível, em cujo rodar toda a gente se conhecia e respeitava, por conta da lei e dos costumes, da religião, da idade e da razão social de cada um e cada uma…

Até as memoráveis lagostadas na Cá Rosalita, naquele primeiro andar de sacada da rua dos Nautas, em que se esgueira a agora Avenida Amílcar Cabral, em outros tempos ainda dedicada aos reis D. Pedro V e D. Luís I, a caminho da lota e da faina diária dos pescadores, tinham ficado para trás, levando consigo a versão local do famoso episódio de Maria Antonieta, esposa de um outro rei Luís, o XVI de França, transposto o pão para peixe e os brioches para os suculentos crustáceos, aqui na boca da boa da Filó, anunciando a ementa do dia: --“pêxe ca tem; só lagosta! Cê racomendá?”…

As ruas dos Penhascos e dos Penedos, no cocuruto de Sal Rei,  acolheram entretanto Escola e Correios, fez-se um porto novo mais além, chegaram hotéis cada vez mais modernos e maiores, espalhados pela costa, desde a Praia de Cruz à de Chave, e o aeroporto também cresceu, acolhendo agora, na esteira dos twin otter e dos casa dos TACV, do bombardier da Guarda Costeira, do embraer da Inter Islands ou dos let da Cabo Verde Express, os airbus e boeing de longo curso, trazendo no bojo já não às dezenas de passageiros, mas às centenas, e já não uma vez de vez em quando, mas mais e mais, cada semana, cada dia…

Acabado de construir na Praia de Boca Salina, com mais de setecentos quartos e capacidade para 1500 hóspedes, piscinas a perder de vista, três restaurantes, salas de espetáculos e de reuniões, parque infantil, em regime alimentar de “tudo incluído”, a apenas dois quilómetros do também novíssimo aeroporto, que viria a ser batizado com o nome de um dos filhos mais grados da Terra, Aristides Pereira, o primeiro Presidente da jovem República, filho do lendário Padre Porfírio, a inauguração do RIU Karamboa, no dia 30 de outubro de 2008, com pompa e circunstância, marcou a esquina do tempo que trouxe a ilha da Boa Vista para o resplendor das luzes da ribalta do Turismo de Cabo Verde. Como consta do relatório redigido à data pelo operador Soltrópico, que marcou presença, estiveram presentes cerca de 500 convidados, numa cerimónia que se iniciou às 19.30, presidida pelo Primeiro Ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, ao lado de Luís RIU, o CEO e proprietário da Cadeia RIU, e do Presidente da Câmara da Boa Vista de então, José Pinto Almeida.

O primeiro avião de longo curso a voar ponto-a-ponto, de fora de Cabo Verde para a Boa Vista, depois dos testes com as aeronaves dos TACV desde 2007, terá sido o Airbus 310-300 da SATA “Autonomia”, matrícula CS-TKM, Lisboa-Rabil-Lisboa, com lotação de mais de duzentos passageiros, no sábado logo a seguir, dia 1 de novembro, fretado pela Soltrópico, iniciando uma rotação doravante semanal, que perduraria no tempo, intensificando-se no verão, com a multiplicação de voos, não só de Lisboa como também do Porto, uma afluência que logo se estenderia a diversas proveniências europeias, com destaque para a TUIfly, que rapidamente ascendera, até ali com voos para a ilha do Sal, à condição de campeã do transporte de turistas para Cabo Verde.

Não há contudo bela sem senão, e quem convivia com a população residente, como era o meu caso desde 1990, depressa se deu conta, mesmo antes do boom que a entrada em funcionamento da nova pista gerou, de algumas reservas dos residentes relativamente à chegada de um número crescente de turistas, entre as quais se destacava o receio de uma agitação que viesse abalar o sossego tradicional até ali reinante, ou de que afinal os alegados benefícios económicos para a ilha e para o país não se fizessem sentir nas famílias, um problema já bem presente no Bairro da Boa Esperança, em que a pressão habitacional, quantitativa e qualitativa, resultante da afluência de operários de outras ilhas, mormente de Santiago e de Santo Antão, para acorrer à palpitante construção civil, gerava já promiscuidade, ameaçando arrastar consigo a degradação dos costumes… Acrescia a esses receios o de que os grandes operadores turísticos internacionais replicassem na ilha o modus faciendi já bem conhecido em destinos de turismo de massas, com soluções verticais em que os locais viessem a ser excluídos da participação nos benefícios da indústria, designadamente no que toca a empregos qualificados e a oportunidades de investimento, e por conseguinte o Turismo não se tornasse para eles o elevador social prometido e esperado.

Estávamos perante receios sérios, de contornos já bem palpáveis, mas por isso também muito desafiantes. Tratava-se de encontrar e de pôr em marcha planos de contingência que implicassem aquisição por parte da população local, de todas as idades e condições, de capacidades de participação consistente no mundo novo que chegava. E havia que assegurar que as soluções a promover, quer reativas quer sobretudo preventivas, se ancorassem na ainda frágil organização social, cultural, política e administrativa existente, para que fossem genuínas e eficazes, aceites e interiorizadas pelas populações, a autóctone e a residente.

Afortunadamente, verificou-se uma sintonia invejável entre as várias forças vivas em presença, e foi reconfortante constatar que estavam já em marcha uma série de iniciativas para trazer respostas aos desafios em presença.

A Igreja Católica local, servida por congregações de Missionárias (Franciscanas em Sal Rei, Espiritanas em Fundo de Figueiras), em apoio da Paróquia, na altura pastoreada pelo Padre José Álvaro Monteiro Borges, e da Diocese, governada pelo Bispo D. Arlindo Gomes Furtado, superando barreiras financeiras, burocráticas e outras, estavam já a pôr de pé iniciativas sociais e culturais robustas, em resposta aos desafios humanitários emergentes, caso do Jardim Padre Pio, aberto em Sal Rei pelas Irmãs Franciscanas, gerido pela Irmã Lucinda Garcia, e do Jardim Infantil S. Francisco de Sales, em Fundo de Figueiras, entregue às Irmãs Espiritanas, com a Irmã Celeste Martins no comando.

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Centro Educacional Nª Srª da Boa Esperança

Mas a resposta educacional e formativa mais notória da Igreja ao súbito aumento da população infantil na Boa Vista seria a instalação do Centro Educativo Nossa Senhora da Boa Esperança, no Bairro do mesmo nome, mais conhecido por Bairro das Barracas, um edifício notável, de três andares, dedicado essencialmente à instalação de programas de Educação das crianças do Bairro, filhas dos trabalhadores que acorreram à ilha para erguerem novos hotéis e outras obras de construção civil, mais que duplicando em pouco tempo a população residente.

Também Pietro Pancini, um empresário italiano de construção civil da região de Milão que se apaixonara pela ilha e já construíra nela várias obras de grande porte, em especial na área hoteleira, tinha edificado e posto a funcionar um Infantário, batizado com o seu nome (Jardim Pietro Pancini).

Surgiam ainda um Infantário italiano (Un Click per un sorriso), dirigido pela pedagoga Sonia Stachezzini, e uma Escola Francesa, dirigida por Primoz Grezak e Teresa Brito.

E funcionava também um Jardim Infantil em João Galego.

Por outro lado, as Escolas Públicas, com destaque para a Escola nº 1 de Sal Rei, eram, obviamente, o núcleo duro a ter em conta a médio prazo, nas fases do Projeto definidas como Segundo e Terceiro Saltos, isto é, no Ensino Básico e Secundário.

A ideia de enxertar no Sistema de Educação da Boa Vista um programa de optimização do Ensino como o que preconizava o Triplo Salto era a de fazer com que o Turismo não só não fosse encarado de forma negativa pela sociedade local, como passasse a ser olhado como uma contribuição positiva não apenas para a Economia da ilha, como até fator de aceleração para o desejável  desenvolvimento da Boa Vista no seu todo, humano, económico, cultural, social e ambiental.

Nada melhor, para se obterem tais resultados, do que um projeto de intervenção consistente e sólido, vertido num programa educacional que envolvesse as diversas camadas de crianças da ilha, desde tenra idade até à idade adulta, capaz de influenciar positivamente as próprias famílias e, no final, a sociedade no seu todo.

Foi nesse intuito que elaborei um Memorando, que foi fazendo o seu caminho durante 3 anos, na Câmara Municipal, na Paróquia, no próprio Ministério da Educação, mas sobretudo nas Empresas ligadas ao Turismo, das quais se esperava apoio, em especial financeiro e logístico.

MEMORANDO

 Projecto educacional (sumário) de up-grade da sociedade boavistense*

Atualização em março de 2012

 A – DESIGNAÇÃO

O Projeto terá a designação de TRIPLO SALTO, pelas seguintes razões:

  • A sua abrangência configura de facto um ‘salto’ triplo educacional e formativo.
  • Triplo Salto é uma disciplina de atletismo, e como tal adequa-se muito bem ao ciclo de vida dos alunos do projecto.
  • O salto triplo, com os seus arranques sucessivos, exige qualidades de perseverança e de reposicionamento que se aplicam bem às etapas do Projeto.
  • Nelson Évora, campeão olímpico da modalidade, ficará para os cabo-verdianos durante longos anos como um bom exemplo a seguir.

B – VISÃO

O Projeto Triplo Salto pretende fazer da Boavista uma “ilha do conhecimento”, e também uma “ilha de humanismo”, através das três etapas da escolaridade que levarão os respectivos alunos da infância à meninice, da meninice à adolescência e da adolescência à juventude, preparando-os de forma excelente para desempenharem papel de relevo na sociedade, durante e após o processo.

 C – MISSÃO

Transmitir a um grupo numeroso de crianças, adolescentes e jovens da Ilha da Boavista, em Cabo Verde, e tendencialmente a todos, conhecimentos e sensibilidades além e acima dos padrões correntes, através da escola.

O Projeto Escolar será faseado no tempo, incidindo na pré-primária, prosseguindo na fase do ensino básico, e culminando no secundário, até ao limiar do grau universitário.

A Missão é conseguir fermentar a sociedade da Boavista, através de um up-grade de conhecimentos e de atitudes por parte das crianças, e mais tarde dos adolescentes e dos jovens da ilha, no caminho da excelência, induzida e progressivamente assumida e reproduzida pela sociedade da ilha.

D – VALORES

O Projecto TRIPLO SALTO pauta-se pelos princípios mais nobres e universais da humanidade, dos quais são de salientar os seguintes: liberdade, frontalidade, coragem; tolerância, respeito pelos semelhantes e pela natureza em geral; solidariedade, entreajuda; amor ao próximo, ao saber, à verdade, à arte e à natureza; criatividade, dinamismo, espírito de conquista; ética, justiça, honestidade; perseverança; procura da qualidade, da excelência.

Estes valores são tanto mais de rigor, quanto o Projeto visa explicá-los às crianças e jovens alunos, para os levar a entendê-los e a assumi-los.

E – Descrição sucinta do Projecto

 1 - PRIMEIRO SALTO

    1. Pretende-se, a partir de um número representativo de crianças em idade de pré-primária (3/4 anos) na Boavista, implantar um sistema avançado de ensino.
    2. Estas crianças serão repartidas em turmas dimensionadas segundo as normas de ensino e de apoio global para a idade, e distribuídas, no primeiro ano de funcionamento do Projeto por várias escolas, que a ele adiram.
    3. O número de alunos e de escolas poderá ser aumentado com o desenvolvimento do Projeto, seguindo normas de sustentabilidade quer do próprio Projeto, quer de cada uma delas.

 2 - SEGUNDO SALTO

·       Quando as crianças que integrarem o primeiro ano de funcionamento do Projeto chegarem à idade escolar (após 3 anos de pré-primária), com aproveitamento conforme ao Projeto, passam a integrar escolas-piloto de ensino básico, as quais adotarão o modelo de ensino do Projeto TRIPLO SALTO, que dará sequência aos níveis de conhecimento adquiridos pelas crianças no PRIMEIRO SALTO, em conjugação com os moldes formais do Ensino Público de Cabo Verde.

 3 - TERCEIRO SALTO

·       O Terceiro Salto, que concluirá o âmbito do Projecto TRIPLO SALTO, numa duração total previsível de ciclos de 15 anos de estudos, funcionará em escolas secundárias do Sistema de Ensino Nacional na Boa Vista (sem exclusão de outras regiões do país), mediante contratos-programa harmonizados com todos os parceiros, incluindo o Ministério da Tutela, e deverá deixar os respectivos alunos preparados para enfrentar níveis de ensino superior exigentes em qualquer universidade, nacional ou estrangeira.

F – Conteúdos do Projeto

Tratando-se de um Projeto de Ensino, os respectivos conteúdos são as matérias curriculares a serem dispensadas aos alunos.

A definição de tais matérias será alvo de uma escolha criteriosa por um júri avalizado, de imediato no que toca ao PRIMEIRO SALTO, e 2 anos antes do início de cada um dos dois “saltos” seguintes, de modo a permitir um período de análise e adoção de manuais e outras ferramentas didáticas.

G – Planeamento Financeiro

Um orçamento para o PRIMEIRO SALTO encontra-se em preparação, e será brevemente apresentado aos patrocinadores do Projeto.

Também para os “saltos” seguintes serão preparados planos orçamentais, os quais deverão ser elaborados em estreita ligação com as autoridades nacionais e locais competentes em matéria de ensino público, uma vez que se conjugarão com o Plano Nacional de Ensino de Cabo Verde e serão acompanhados e apoiados pelo Ministério da Educação.

H – Equipa Executiva e Recursos Humanos

O Projeto Triplo Salto terá uma equipa executiva de 3 pessoas, a saber, um Director(a) de Projeto, e dois assistentes, eleitos pelo conjunto das escolas e nomeados pelo Conselho de Promotores.

Uma equipa de 3 Consultores benévolos (não pagos pelo Projeto), representantes dos Patrocinadores e por estes escolhidos, deverá ser consultada e mantida ao corrente no que toca às normas e traves mestras do Projeto. Um dos membros do Conselho Consultivo deverá ser jurista.

I – NORMAS

O Projeto será lançado e monitorizado pela Equipa Executiva a partir de um Manual de Normas ou Contrato-Programa (em preparação pelos Promotores), e que deverá ser validado por um colégio formado pela equipa de consultores e pela equipa executiva, e que deve estar de acordo com toda e qualquer disposição legal do país, a fim de poder ser aprovado sem qualquer reserva pelos Poderes Públicos.

J – QUALIDADE

O Projeto TRIPLO SALTO obriga-se a uma certificação prévia de Qualidade firmada por uma Entidade Certificadora idónea, bem como à manutenção das exigências de tal Processo em matéria de melhoria contínua.                                                   

Uma das primeiras pessoas a quem apresentei este memorando foi o sr. Luis Riu, acompanhado pelo Fernando Paetaw, Diretor dos RIU do Sal (Garoupa e Funnaná), logo na inauguração do Karamboa. Ficou a manifestação de interesse de princípio em colaborar no Projeto, mas em carta enviada  com data de 18 de dezembro, o sr. Luis RIU explicaria que a Cadeia tinha um projeto mais vasto de cooperação social para África, de apoio a crianças com síndrome de Down, no qual pretendia concentrar as suas atenções.

Mas a pessoa a quem se impunha uma apresentação prévia circunstanciada do Projeto Triplo Salto era a Ministra da Educação, à data Vera Duarte Pina, não só por uma questão de enquadramento institucional, como sobretudo porque o objetivo do Projeto era contribuir para a melhoria do sistema de ensino, trabalhando-o por dentro, de forma progressiva, inclusiva e empática. Encontrei-me com ela na Guest House Migrante, na Avenida Amílcar Cabral, onde se encontrava alojada, em missão na ilha. O acolhimento da responsável pelo Sistema de Educação em Cabo Verde à ideia do Projeto Triplo Salto não podia ser mais auspiciosa. Em resumo, demonstrou grande clarividência ao reconhecer que a quantidade tende a ser inimiga da qualidade, para assinalar que a preocupação em democratizar o ensino obrigatório levando-o a todas as crianças e jovens do país sem exceção não preenche toda a dimensão da missão do Ministério, pelo que considerava bem-vindo qualquer projeto que acrescentasse qualidade à oferta pública. Deixou por isso abertas as portas do Ministério e da Delegação local de Educação para que estudássemos os trâmites em que o Projeto podia ser apoiado, desde logo como projeto-piloto, na perspetiva de vir a ser replicado também em outras ilhas do país. 

Nos meses seguintes ocorreram reuniões com a Câmara Municipal e a Paróquia, mas as minhas deslocações à Ilha, embora regulares, eram espaçadas, e havia que encontrar alguém que pudesse dedicar-se à instalação do Projeto. Uma velha amizade, desde os tempos em que vivi na Praia, o Celso Celestino, um distinto Técnico Superior na área financeira, mas igualmente pessoa culta e interessada pela Boa Vista, de onde era natural, sinalizou-me um outro boa-vistense, Marcelo Évora, um académico recém-aposentado que entendia estar talhado para essa missão. Almoçámos um belo dia os três no Colombo, em Lisboa, e ficou desde logo expresso que o Marcelo aceitava, até com visível regozijo, assumir essa responsabilidade em contribuir para um novo impulso ao desenvolvimento da sua terra natal, em condições que ficaram desde logo alinhavadas.

 
            Marcelo Évora                          Bispo D. Arlindo  Furtado           Ministra Vera Duarte Pina

No dia 14 de março de 2009 Marcelo Évora viajou para a Boa Vista em missão exploratória, munido do Memorando Fundacional do Triplo Salto, que eu preparara, e reuniu, entre o dia 16 e o dia 20, com a Vereadora da Câmara Municipal para a Educação, Dália Benoliel, com a Delegada do Ministério da Educação na Ilha, Élida Mosso, com o Bispo da Diocese de Barlavento, D. Arlindo Gomes Furtado, que se encontrava de visita apostólica à ilha, e com a responsável pelo Jardim Infantil Pietro Pancini, Cândida, a todos expondo a ideia de implantação do Projeto na ilha.

Regressado a Portugal, Marcelo Évora trabalhou durante três meses a redação do que seria o Primeiro Salto do Projeto, ou seja, as diretivas do que seria o programa pedagógico das crianças que haveriam de frequentar a pré-primária nas Escolas aderentes. Regressou à Boa Vista em julho para ultimar conversações com as Escolas, com a Câmara Municipal, a Delegação Escolar e com outras Organizações da sociedade civil. No dia 6 de julho voltou a reunir com a Delegada Escolar na Ilha, Élida Mosso, e com Roberta Fragalá, psicóloga ligada à Câmara Municipal, indicada pelo Presidente José Almeida, reunião esta na qual foram discutidos os critérios de seleção para os alunos candidatos e as propinas a serem estabelecidas, uma vez que a ideia nessa altura era ainda de abrir uma escola à parte para instalação e maturação do projeto, e adiantada a coluna vertebral das matérias a serem consideradas na fase do Primeiro Salto, ou seja, na idade da Pré-Primária:

     O programa do SALTO 1 é uma plataforma de iniciação que se pretende profícua e prometedora dum futuro escolar cuja evolução e aproveitamento estejam previstos e garantidos desde o ponto de partida.  Para prevenir as dificuldades e ultrapassá-las, dotar-se-ão as crianças do pré-escolar das condições de possibilidades dos resultados pretendidos com a instituição do TRIPLO SALTO. Para melhor atingir os objetivos desta etapa ela será organizada segundo áreas tão imbricadas e tão estreitamente correlacionadas para que os conhecimentos transmitidos e adquiridos constituam um todo sistémico, um todo coerente cujas partes estarão tão correlacionadas que uma vez visionada uma delas a sequente conferir-lhe-á uma relação de sentido tal que fará emergir todos os outros conhecimentos que façam parte desse todo. Por isso o SALTO 1 será constituído por três áreas:

Ø  “área de formação pessoal e social” de que os mecanismos e objetivos de socialização serão a preocupação essencial com vista a conseguir a melhor integração no grupo e a criar a melhor incentivação à aplicação conjunta, grupal, nas tarefas escolares. Aqui procurar-se-á inculcar os valores da escola e da família com destaque para o valor essencial do trabalho realizado em grupo e em equipa para a boa distribuição não só do trabalho e do conhecimento, como também para o estabelecimento e consolidação de laços da mais variada natureza como a consecução dos objetivos escolares; mas também os da sociedade como espaço por excelência de realização pessoal;

Ø  “área de expressão e comunicação” que tendo sempre presente os pressupostos da eficaz e profícua socialização, abrirá as portas da sensibilidade com vista  ao despertar do sentido estético, mas também como forma de abrir as possibilidades de geração da abertura do espírito para receber, compreender e construir de forma natural outros conhecimentos designadamente de carácter científico, tecnológico, social em que predomina o espírito crítico, a curiosidade para o saber e o não conformismo com o sabido e o estabelecido. O porquê, o como, o para quê devem ser as fórmulas de cristalização e enunciação do espírito científico a infundir;

Ø  “área de conhecimento do mundo” que objetivará as condições de conhecimento do mundo em que habitamos cujas possibilidades nos são proporcionadas pela capacidade de nomear as coisas, categorizá-las segundo formas, cores, dimensões, o tipo de sensações que provocam. Aqui, serão destacadas as formas de vida e distinguidos os tipos de objetos, corpos e produtos naturais e artificiais com que convivemos e coabitamos, de que nos servimos para a nossa subsistência e será acentuado que todos devem ser respeitados e preservados não só por respeito às outras espécies como por razões da sustentabilidade e conservação qualitativa do Mundo. Este conhecimento deverá constituir um meio para sensibilizar os pequenos educandos para a essencialidade do tempo e do espaço; das dimensões geométricas e possibilidades fornecidas pelos números não só para a contagem e ordenação dos objetos e dos fenómenos da perceção como também na formação de conteúdos matemáticos de que resulta o rigor científico e dos modos de condução da vida como a contagem horária, a ordenação das coisas no espaço e até das nossas próprias ideias, concretas e abstratas, que se podem colocar em forma de raciocínios e de problemas tanto qualitativos como quantitativos cujas formulações se deverá ensinar.

Assim, neste segmento temporal e curricular da aprendizagem e desenvolvimento da criança, “o essencial é que os assuntos abordados e o seu desenvolvimento, são os aspetos que se relacionam com processos de aprender: capacidade de observar, o desejo de experimentar, a curiosidade de saber, a atitude crítica.” E sobretudo o esforço e a capacidade para transmitir conhecimentos; competência e a determinação para inculcá-los; dominar os saberes e conseguir utilizar as ferramentas psicosociais que facilitem a motivação dos alunos para a aprendizagem e ainda a capacidade para a realização de um tão particular e exigente tipo de trabalho, isto é, abertura para dedicar-se e criar o ambiente propício ao favorecimento da aprendizagem e desenvolvimento tão harmoniosos e proveitosos quanto possíveis dos pré-escolares instilando neles a tensão “exasperante” para o saber, para a busca da informação, para a qualificação e para a participação nas tarefas societais em detrimento dos egoísmos e da facilitação. Por tudo isso, o docente do TRIPLO SALTO terá que fazer a diferença e esforçar-se-á por ser um inovador e criativo, para que esteja na vanguarda e sempre sintonizado com os seus alunos e com as suas necessidades educativas e cooperante com as famílias destes, por forma a evitar que eles sejam apenas meras reproduções de Carlos Bovary cuja meta de futuro não passou de pouco mais do que uma trágica frustração.

Entretanto, a base doutrinal do Projeto Triplo Salto foi sendo robustecida entre outras contribuições com a de uma Comissão da União Europeia, encabeçada por Jacques Delors, que acabava de publicar um relatório importante sobre Educação, cuja síntese incluo a seguir, e que me parecia tocar as cordas mais sensíveis do papel da formação das crianças e jovens para a eclosão de uma sociedade mais justa e evoluída:

OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO (por Jacques Delors)

Pistas e recomendações

 A educação ao longo de toda a vida baseia-se em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos, aprender a ser.

1.       Aprender a conhecer, combinando uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao longo de toda a vida.

2.       Aprender a fazer, a fim de adquirir não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipa. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes, quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.

3.       Aprender a viver juntos, desenvolvendo a compreensão do outro e a perceção das interdependências - realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos - no respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.

4.       Aprender a ser, para melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar.

Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo. Esta perspetiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas, tanto a nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas pedagógicas.

Vale ainda, a propósito de prolegómenos pedagógicos na preparação do Projeto Triplo Salto, referir quão influente foi o trajeto da formação de que me foi dado usufruir, e portanto o que pesou nas minhas próprias convicções e nos momentos em que fui chamado a responsabilidades pedagógicas, profissionais ou vocacionais. Na Congregação do Espírito Santo, em que me formei, dos 10 aos 25 anos, o Ensino, além de exigente, era muito formativo do carácter, e portanto multidisciplinar, provavelmente devido ao facto de a Instituição ter sido trazida para Portugal por padres alsacianos com erudição e formação humana acima da média, considerando o que era o ambiente académico em Portugal no final do século XIX. Ficou para a história uma obra pedagógica de topo que marcou o período antes da Primeira Grande Guerra, escrita por um discípulo destes Padres eruditos que lecionaram no Colégio do Espírito Santo em Braga, de nome António de Sena Faria de Vasconcelos Azevedo, da qual vale a pena deixar aqui um resumo do que foi a marca do movimento denominado na altura "Escola Nova", pilar dos programas de Ensino em diversos países da Europa na primeira metade do século XX, e que enformou igualmente os programas pedagógicos dos vários Colégios geridos à época pelos Padres do Espírito Santo, caso do já citado Colégio do Espírito Santo de Braga, que veio a transformar-se no Liceu Sá de Miranda; do Colégio da Formiga em Ermesinde; do Colégio Santa Maria no Porto; do Colégio Fisher em Ponta Delgada; bem como dos seminários que durante o século XX, apenas com a interrupção no período da Primeira República, que fechou os estabelecimentos de ensino religiosos, formaram os seus missionários, em Braga, Viana do Castelo, na Guarda, em Santarém, em Barcelos (Silva), e em S. Domingos de Rana (Cascais), cuja missão foi invariavelmente levarem o conhecimento filosófico e científico  e a fé cristã a países de África, particularmente os lusófonos.

Eis alguns dos 30 princípios preconizados por Faria de Oliveira para servirem de travejamento à Escola Nova:

Ø  A Escola nova é um laboratório de pedagogia prática. Procura desempenhar o papel explorador ou de pioneiro das escolas públicas, mantendo-se ao corrente da psicologia moderna nos meios que aplica, e das necessidades modernas da vida espiritual e material, nos objetivos que estabelece para a sua atividade.

Ø  A Escola nova organiza trabalhos manuais para todos os alunos, durante pelo menos hora e meia por dia, em geral das 14 às 16 horas, trabalhos obrigatórios que, mais do que terem uma finalidade profissional, têm um objetivo educativo e de utilidade individual ou coletiva.

Ø  Além de trabalhos definidos, há trabalhos livres que desenvolvem os gostos da criança e lhes despertam o espírito criativo e o engenho.

Ø  As viagens, a pé ou de bicicleta, com acampamento em tendas e as refeições preparadas pelas próprias crianças, desempenham um papel importante na Escola Nova. Estas viagens são preparadas com antecedência e têm uma função pedagógica.

Ø  Em relação à educação intelectual, a Escola Nova procura abrir a mente para uma cultura geral do espírito e não para uma acumulação de conhecimentos memorizados. O espírito crítico nasce da aplicação do método científico: observação, hipótese, verificação, lei. Um núcleo de áreas de estudo obrigatórias proporciona uma educação integral, não enquanto instrução enciclopédica, mas como possibilidade de desenvolvimento, pela influência do meio e dos livros, de todas as faculdades intelectuais inatas da criança.

Ø  A cultura geral é concretizada numa dupla especialização: primeiro espontânea, cultura dos gostos preponderantes de cada criança; depois sistematizada e desenvolvendo os interesses e faculdades do adolescente num sentido profissional.

Ø  O ensino é baseado em factos e experiências. A aquisição de conhecimento resulta de observações pessoais (visitas a fábricas, trabalhos manuais, etc.) ou, na falta delas, de outras observações recolhidas em livros. Em qualquer caso, a teoria segue-se à prática, nunca a precede.

Ø  O ensino é também baseado na atividade pessoal da criança. Isto supõe a associação mais próxima possível do estudo intelectual com o desenho e demais trabalhos manuais.

Ø  O ensino é baseado nos interesses espontâneos da criança: dos 4 aos 6 anos, idade de interesses difusos ou idade do jogo; dos 7 aos 9 anos, idade de interesses ligados a objetos concretos imediatos; dos 10 aos 12 anos, idade de interesses especializados concretos ou idade das monografias; dos 13 aos 15 anos, idade de interesses abstratos empíricos; dos 16 aos 18 anos, idade de interesses abstratos complexos: psicológicos, sociais, filosóficos. O que acontece na escola ou fora dela dá origem, entre os mais velhos e os mais novos, a lições ocasionais e discussões com lugar de destaque na Escola Nova.

Ø  O trabalho individual do aluno consiste em pesquisar (em factos, livros, jornais, etc.) e classificar (de acordo com um quadro lógico adequado à sua idade) documentos de todos os tipos, bem como em trabalhos pessoais e na preparação de palestras a fazer na aula.

Ø  O trabalho coletivo consiste na troca e na ordenação ou elaboração lógica em grupo dos documentos de trabalho de cada um.

Ø  A educação moral, como a educação intelectual, deve ser exercida não de fora para dentro por autoridade imposta, mas de dentro para fora pela experiência e a prática gradual do sentido crítico e da liberdade.

Ø  A emulação ocorre essencialmente através da comparação feita pela própria criança entre o seu trabalho atual e o anterior, e não exclusivamente pela comparação do seu trabalho com o dos colegas.

Ø  A Escola nova deve ser um ambiente de beleza como escreveu Ellen Key. A ordem é a primeira condição, o ponto de partida. A arte industrial que se pratica e de que se está rodeado conduz à arte pura, própria para despertar, na natureza dos artistas, os sentimentos mais nobres.

Ø  A música em grupo, seja canto ou orquestra, exerce uma mais profunda e purificadora influência naqueles que dela gostam e a praticam. Todas as crianças deveriam beneficiar das emoções que ela desperta e desenvolve.

Ø  A educação da razão prática consiste principalmente, entre os adolescentes, em reflexões e em estudos referentes às leis naturais do progresso espiritual, individual e social. A maioria das Escolas novas observa uma atitude religiosa não confessional ou interconfessional que é acompanhada pela tolerância em relação aos diferentes ideais, na medida em que encarnam um esforço com vista ao crescimento espiritual do ser humano.

Como farinha que se deixa a levedar na masseira com fermento de padeiro, ou como campo carente de adubagem, houve um tempo de pousio, que se prolongou por três longos anos, antes que as boas intenções e as boas promessas se convertessem em realidade. Tempo necessário para aclarar conceitos, motivar pessoas e organizações e colocar nos alicerces os fundamentos, e, sobre eles, todas as pedras da cantaria em que viria a enquadrar-se a construção entre sólida e versátil que se pretendia.

Foi assim que se ergueu, laboriosamente, o tripé financeiro indispensável para alicerçar todo o plano, com a anuência da Solférias, em 2012, em financiar o transporte das pessoas que havia que deslocar desde Portugal, ao longo dos anos letivos; com o compromisso da Câmara Municipal da Boa Vista em disponibilizar um apartamento que acolhesse os professores necessários durante o período de capacitação dos professores e monitores nas diversas Escolas; com o patrocínio da TUI Cabo Verde, através da Má Bó, do empresário Duarte Correia, no pagamento dos académicos a deslocar.

 

Por detrás desta contextura subliminar de crescimento das raízes do Triplo Salto estiveram pessoas generosas, apaixonadas pelas crianças e pelas famílias, desde logo o Padre Paulo Borges Vaz, que veio paroquiar a Boa Vista; a Andreia Valdigem, jornalista genuinamente empenhada no crescimento saudável das populações da ilha; Óscar Ribeiro, um artista musical dedicado ao desenvolvimento infantil através da música, vindo pela mão da Iva do Rosário, entretanto Vereadora da Cultura na Câmara Municipal; Ricardina Silva, Diretora do Jardim Pietro Pancini: Paulo Santos, empresário; as Irmãs Paula Semedo, Lucinda Garcia e Celeste Martins, Diretoras dos Jardins de Infância da Igreja; Élida Mosso, Delegada do Ministério da Educação; Ulisses Santos, jurista na Sociedade de Desenvolvimento da Boa Vista e Maio…


 
Andreia Valdigem                          Ricardina Silva                           José Pinto Almeida     

A decisão de arrancar com o Projeto, em seguimento das diligências que remontavam a 2007 e tinham sido retomadas no último trimestre de 2011, ocorreu na reunião de 27 de janeiro de 2012, iniciada à tardinha, na Residência Paroquial, em Sal Rei, a convite do Padre Paulo Borges, Pároco da Boa Vista e responsável pelo Centro Boa Esperança, a que compareceram, além dele e eu próprio, a Irmã Paula Semedo, Diretora do Centro Educativo Nossa Senhora da Boa Esperança; Teresa Brito, responsável da Escola Francesa; Primoz GREZAK, Diretor da Escola Francesa; Ricardina Silva, Diretora do Jardim Infantil Pancini, Ulisses Santos, Assessor Jurídico da SDTIBM; e Andreia Valdigem, jornalista.

Ulisses Santos expôs aos presentes o desenho jurídico do Projeto, que se traduziria numa Associação sem fins lucrativos, em que os Associados seriam tanto empresas, como instituições, escolas ou pessoas singulares, que se associariam em dois planos distintos, o de patrocinadores e o de beneficiários, dando os patrocinadores origem a um órgão consultivo, mas com um papel decisório ao nível dos patrocínios, ao passo que as Escolas (beneficiárias) iam gerar a Direção Executiva da Associação, decisora aos níveis didático, pedagógico, e também de gestão, sendo que a gestão financeira seria supervisionada pelo órgão consultor, através de mecanismos a serem definidos oportunamente. Os Associados beneficiários teriam direitos e obrigações a constar de um contrato-programa em vias de ser redigido, que serviria de norma à admissibilidade de todo e qualquer candidato (escola) ao apoio do projeto, e serviria de bitola a uma monitorização adequada. Todos os presentes concordaram quer com estrutura em montagem quer com o arranque do Projeto em 2012.

O Jurista Ulisses Santos concluiu os Estatutos da Associação e o Contrato-Programa, o Padre Borges encarregou-se das diligências administrativas, e o Triplo Salto ganhou vida.

 
Ulisses Santos                                                Padre Paulo Vaz
Era tempo de se procurar um gestor para o Projeto, e professores para garantirem a necessária implantação dos processos de qualidade requeridos para ministrar as matéria fulcrais do Primeiro Salto: Expressão Psicomotora, Plástica, Corporal, Musical e Oral.

Destinava-se esta reunião a apurar o interesse de cada uma das escolas em aderirem à Associação Triplo Salto, projeto que já tinha sido apresentado à grande maioria dos presentes, quer pessoalmente, quer através da documentação orientadora do mesmo.

Eu resumi para os participantes na reunião as traves-mestras do projeto (Memória Descritiva inicial e introdução didática e pedagógica do Marcelo Évora), esclarecendo que em 2007, quando dos primeiros passos, o Triplo Salto visava abrir uma Escola pré-primária em Sal Rei e outra no Norte, as quais haveriam de adotar os princípios orientadores estabelecidos nestes documentos, os quais foram entretanto apresentados ao Ministério da Educação, que os apoiou e encorajou a que se avançasse com o projeto, que considera bem vindo, na medida em que reconhece a necessidade de escolas de iniciativa privada que tragam ao ensino focos de qualidade e excelência em Cabo Verde.

Todos os presentes, sem exceção, se pronunciaram positivamente quanto à adesão a este projeto, e por isso manifestaram a decisão de aderir à associação.

Em reação ao meu apelo a que o Projeto só faria sentido se, como sublinhado pelo Ministério da Educação, trouxesse  claramente valor acrescentado ao sistema de ensino vigente, Teresa Brito e Primoz Grezak deram a conhecer a ligação da sua escola a uma rede internacional já sujeita a avaliação de qualidade, e disponibilizaram-se a que a sua escola contribuísse para ajudar todas a adotar normas já rodadas por ela.

Ricardina Silva congratulou-se em especial com o interesse das empresas do trade do turismo pelos interesses da sociedade boa-vistense através do projeto Triplo Salto.

O Padre Paulo testemunhou estar a encarar o ensino ligado à paróquia em consonância com os métodos e valores defendidos pelo projeto Triplo Salto, que perfilha, salvaguardando que as escolas da Igreja têm, para além de objetivos didáticos, pedagógicos, culturais e sociais, ainda os que se ligam à fé pregada pela instituição que encabeça na Boa Vista.

Andreia Valdigem informou as pessoas presentes do grande interesse que dedica às questões da educação e da inclusão social na Boa Vista, interesse esse que a levou a estar implicada nos primórdios deste projeto, que tem seguido com a maior atenção, e que tem socializado no âmbito da sua profissão de jornalista. Além disso, manifestou-se disponível para exercer um papel ativo no projeto.

Para finalizar, ficou decidido por unanimidade que a Associação será constituída o mais tardar até final de fevereiro, para o que será convocada reunião constituinte da qual sairão a aprovação dos estatutos e do contrato-programa e os corpos sociais.

Com o nº 349, e com o NIF 566303361, pelos cuidados do Padre Paulo Borges Vaz, foi registada no dia 6 de junho de 2012 na Conservatória dos Registos e Cartório Notarial de 2ª Classe da Boa Vista a Associação Triplo Salto – Parceria para a Inovação Educativa e Cultural, com o Objeto Social de promoção de um modelo educativo inovador e de excelência em todos os níveis de ensino, segundo as orientações e objetivos aprovados pelo Conselho Diretivo, e, bem ainda, a promoção da cidadania ativa e o respeito pelos direitos humanos e por outros valores universais.

Em face da dificuldade em reunir presencialmente todos os outorgantes, foi mandatada uma Comissão Instaladora, a que presidiu o Padre Paulo Vaz, para convocar a Assembleia Geral e eleger os Corpos Sociais, vindo esta a concretizar-se só um ano mais tarde, em 7 de junho de 2013, ficando então a Mesa da Assembleia Geral constituída por Ulisses Santos, Jurista da SDTIBM (Presidente); José Luís Correia, Administrador da Solférias (Vice-Presidente); Irmã Paula Semedo, Diretora do Centro Nossa Senhora da Boa Esperança (Vogal); e Jorge Santos, Administrador da ASA (Suplente). No Conselho Diretivo ficaram Ricardina Silva, Diretora do Jardim Infantil Pietro Pancini (Presidente); Óscar Ribeiro, da Empresa Colcheia (Vice-Presidente); Odete Melo Ramos, Diretora da Escola S. Francisco de Sales (Secretária); Andreia Valdigem, Jornalista (Vogal); e Escola Padre Pio (Vogal). O Conselho Consultivo ficou constituído por Eduardo Lima, da Má Bó; Armando Ferreira, Promotor; e Câmara Municipal da Boa Vista. A AUDITEC-SROC assumiu o Órgão de Fiscal Único.

Os Estatutos[1], em 7 capítulos e 38 artigos, redigidos pelo jurista Ulisses Santos, estabelecem que o Projeto Triplo Salto é um Manual aprovado pela Assembleia Geral, que define o quadro dos objetivos fundacionais do Projeto, dos objetivos programáticos, e um conjunto de normas onde estão consagradas as orientações para a implementação de um modelo educativo inovador e de excelência que contribua de forma positiva para a criação de uma sociedade de conhecimento e tecnologia avançados, e apontam, no seu Capítulo II – OBJETIVOS – para um conjunto de metas específicas a serem atingidas pelo Triplo Salto, a saber:

a) Apoiar a implementação de um modelo educativo inovador, atualizado, progressivo, capaz de promover o desenvolvimento das competências pessoais, interpessoais e sociais;

b) Preservar e divulgar os valores universais e a cultura de Cabo Verde, designadamente o respeito pela pessoa humana e pela sua dignidade, visando uma melhor estruturação da sociedade em particular, e sua adaptação às exigências da modernidade contemporânea;

c) Promover o respeito e a valorização da diversidade cultural;

d) Incentivar a formação de cidadãos líderes no ambiente familiar, profissional e social, capazes de exercer uma ação positivamente transformadora na sociedade em que estão inseridos;

e) Desenvolver e apoiar ações que visem a mobilização de recursos pedagógicos, humanos e financeiros que assegurem a implementação do “Projeto Triplo Salto”;

f) Fomentar a adesão de entidades, públicas ou privadas, individuais ou coletivas, ao “Projeto Triplo Salto”, celebrando com as mesmas protocolos de cooperação[2] ou contratos-programa;

g) Prestar toda a colaboração, designadamente, a instituições privadas e estabelecer modelos de cooperação com entidades públicas locais ou nacionais, ou mesmo estrangeiras, com vista ao esforço comum, e facilitadores de economias de escala que favoreçam a realização das melhores prestações educativas e culturais;

h) Mobilizar financiamentos para as atividades da TRIPLO SALTO e contribuir para a mobilização daqueles que sejam necessários para o implemento dos projetos aprovados.

Uma minuta do acima referido Contrato-Programa[3], igualmente redigido por Ulisses Santos, veio completar a arquitetura estrutural do Projeto Triplo Salto. Este documento, a ser assinado pelas partes (a Direção do Triplo Salto e as Escolas candidatas a beneficiárias), definia, em 10 cláusulas, o objeto do Contrato, as atividades a desenvolver, os apoios e as obrigações das partes, além de precisões de caráter legal e burocrático.

Para encurtar distâncias entre gestores, docentes e patrocinadores, alguns vivendo fora da ilha e até do país, criou-se uma check-list online no Google Drive, aberta aos membros do Conselho Diretivo, da Direção Executiva e dos Professores-Monitores, uma espécie de sala de reuniões aberta 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por ano, com secções de intervenção desde Formalização Organizacional e Programação a Formação de Monitores, Conteúdos Didáticos, Logística, Financiamento, Secretariado, Dados Documentais, Eventos, etc., uma ferramenta que recebeu milhares de inputs durante os 3 anos em que vigorou[4], e em que os pareceres a dar, as decisões a tomar e as tarefas a executar, sublinhados por cores conforme o estado de avanço na concretização, eram facilmente identificáveis por todos os intervenientes. Um instrumento de trabalho em co-working que se revelou de particular eficácia na gestão da tarefa assaz complexa de coordenar uma intervenção dinâmica diária em 5 Escolas, em Sal Rei e Fundo de Figueiras, funcionando como a Agenda Comum de planeamento e ação do Triplo Salto, a interface de comunicação dos numerosos relatórios de atividade, o despertador para que não ficasse esquecido o sequenciamento às medidas tomadas diariamente e o repositório de achegas de todos a todos na garantia de execução das lides diárias…

Foi admitida como Diretora Geral uma gestora experimentada, com missões humanistas já desempenhadas para a ONU, em Timor e na Guiné-Bissau, Filipa Figueiredo.

 
            Filipa Figueiredo                                Óscar Ribeiro                            Sónia Quedas Costa

Este quadro organizacional completar-se-ia com a constituição de um Conselho Científico e Pedagógico, que viria a ser lançado em janeiro de 2015 numa reunião havida no Hotel Iberostar, Praia de Chaves, entre a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo, o Diretor Pedagógico, Óscar Ribeiro, e a Professora-Monitora de Expressões, Sónia Quedas.

A atividade do Triplo Salto iniciou-se em janeiro de 2013, decorrido um ano da reunião em que fora tomada essa decisão… Mas arrancou em bom ritmo, nos 5 Jardins que aderiram ao Projeto, com as matérias previstas para o 1º Salto, ou seja, Educação Musical, Psicomotora, Plástica, Corporal e Oral, tendo os conteúdos pedagógicos sido delineados pela empresa Colcheia de Óscar Ribeiro, ministrada por dois pedagogos da mesma empresa, Hélio Ribeiro e Miguel Arruda, que viajaram a expensas do Operador Turístico Solférias e ficaram alojados, neste período, no Estoril Beach Resort, por conta da Câmara Municipal, salários pagos pela Tui/Ma Bó de Duarte Correia e Eduardo Magalhães,  e cuja missão incluía a formação de monitores locais nessas matérias, de que viriam a assumir eles próprios as atividades didáticas.

Ao mesmo tempo, foi dada continuidade aos contactos com o Ministério da Educação e Desporto, numa reunião na Praia, no Palácio do Governo, na manhã do dia 27 de fevereiro, na qual o Óscar Ribeiro e eu expusemos às Diretoras do Ensino Pré-Escolar, Teresa Araújo e Djamina Silva, ao Diretor do Desporto Escolar, Francisco Romero, e à Diretora Geral do Ensino Básico e Secundário, Teresa Lima, numa sessão de trabalho acolhedora e encorajadora, os detalhes do arranque do Triplo Salto, assim como os planos gizados para o ano letivo 2013/2014, e fomos avançando mesmo, dada a presença na reunião da Diretora Geral do Ensino Básico e Secundário, a planificação já desenhada para o 2º Salto, a estender ao Ensino Básico no ano letivo 2014/2015, ficando desde logo lançado o repto de nova reunião, para a qual haveria que preparar os termos de um Memorando de Entendimento a ser assinado entre o Ministério e o Triplo Salto.

Aproveitando a deslocação à Praia, reunimos no mesmo dia no Ministério da Cultura com o Diretor Geral das Artes, João Paulo Brito, com a Diretora do Gabinete de Formação e Acesso à Cultura, Emília, e com a Assessora para as Economias Criativas, Débora Abu-Raya.

Estes dois encontros com a Tutela da Educação, do Desporto e da Cultura, preparados e agendados pela Delegada Escolar da Boa Vista, Élida Mosso Corrà, permitiram-nos aquilatar melhor, por um lado dos limites com que o Projeto Triplo Salto se ia deparando, em especial no que toca a disponibilidade de monitores disponíveis para atuar no terreno, mau grado o Ordenamento Jurídico da Educação Pré-Escolar ter sido objeto da Lei nº 5/97 de 10 de Fevereiro, já com 16 anos, mas, por outro lado, confirmaram e reforçaram a grande abertura já manifestada em 2007 pela Ministra Vera Duarte para que o Projeto Triplo Salto fosse acarinhado e apoiado o mais possível como experiência-piloto a ser enxertada no Sistema de Ensino, não só na Boa Vista, mas com novas réplicas pelas restantes ilhas do país.

No início do terceiro trimestre, de regresso das férias da Páscoa, que nesse ano caiu em 31 de março, já foi possível organizar a primeira das três festas Triplo Salto programadas ao longo do ano (as outras duas seriam no fecho do ano letivo e pelo Natal), cuja finalidade visava a imersão das famílias nas atividades desenvolvidas com as crianças. Com ensaios durante a semana de 8 a 12, a Festa,  sábado, dia 13, foi um sucesso, com os familiares das crianças de 4 anos - a idade das primeiras a estrearem as aulas do Triplo Salto - a aplaudirem, orgulhosas, as novas performances dos mais pequenos, em cantares, declamações, dançares, numa palavra, a desabrocharem em novas formas e níveis de expressão, individualmente e em grupo. Um espetáculo que voltaria regularmente durante 2013, 2014 e 2015, para gáudio de todos quantos nele puderam participar e dele beneficiar.

Sónia Quedas Costa com alunos e monitores de uma turma

O ano letivo 2013/2014 foi o primeiro completo[5], enriquecido com a chegada de Sónia Quedas, uma educadora talentosa, multifacetada, apaixonada pelas crianças, particularmente compaginada com os objetivos específicos do Projeto Triplo Salto, que visavam armar os mais pequenos de um máximo possível de capacidades em se exprimirem, desenhando, representando, cantando, dançando, declamando, moldando, falando, rindo e sorrindo, adquirindo vocabulário… Uma paleta de habilitações que a Sónia semeou com afinco e paixão nos cinco jardins a que se deslocava assiduamente, a que se juntaria em 2014/15 a Escola Básica nº 1 de Sal Rei.

O Memorando de Entendimento[6] entre a Associação Triplo Salto e o Ministério da Educação e Desporto, cuja titular era agora Fernanda Marques, foi celebrado no Palácio do Governo em 23 de outubro de 2014, numa cerimónia de cerca de uma hora em que estiveram presentes comigo outros membros dos Órgãos Sociais do Triplo Salto (José Luís Correia e Óscar Ribeiro) e a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo,  e, do lado do Ministério, uma Delegação chefiada por Pedro Moreno Brito, Diretor Geral do Orçamento, Planeamento e Gestão, acompanhado de Margarida Santos, Diretora Geral de Educação, Domingas Fernandes (DSEPC), Cláudia Silva, Assessora da Ministra, Dulcelina Tavares (NICE/GMED) e José Luís Gomes, Diretor Geral do Desporto. A solenidade de que se revestiu o ato certificava a importância com que no MED estava a ser encarada a iniciativa, prestes a ser alargada do Pré-Escolar ao Básico, importância essa de resto espelhada nos termos do Protocolo, desde logo no seu Objeto, descrito na Cláusula Primeira: o Projecto tem como objcetivo inicial reforçar a qualidade do ensino na Boa Vista, através de actividades de complemento pedagógico, curriculares e extracurriculares, pela via de exploração das áreas de expressões (oral, escrita, musical e dramática), utilização das TIC no ensino, aprendizagem de línguas nacionais e estrangeiras, e incentivo ao desenvolvimento da cidadania, visando, no limite, proporcionar às crianças, futuros actores económicos, culturais e políticos, uma preparação humana excelente. Nas restantes nove cláusulas definem-se as áreas de cooperação, a estratégia para a ação, as obrigações das partes, a população beneficiária, as atividades a serem desenvolvidas no âmbito do Projeto, a vigência do Memorando (2 anos), e as disposições finais da praxe.

Reunião no MED e assinatura do Memorando de Entendimento 

Óscar Ribeiro, da Colcheia, elaborou para 2014/15 um robusto Plano de Atividades[7] do Triplo Salto. A Diretora Executiva, Filipa Figueiredo, preparou o orçamento[8], que submeteu ao Conselho Diretivo, para depois ser validado pelo Conselho Consultivo, conforme determinação dos Estatutos. Foi sondada uma candidata a ministrar a disciplina de Filosofia com Crianças, Rita Pedro, uma professora de Oeiras com sólida formação e experiência na matéria, que enviou um Plano para o efeito[9]. E contactei ainda o meu amigo historiador Daniel Pereira para a elaboração de um pequeno manual da História, que me fez saber que já tinha elaborado um Manual da História de Cabo Verde para as Escolas, e o tinha disponibilizado ao Ministério da Educação.

Finalmente estavam de pé já não só os alicerces do Projeto sonhado, mas tínhamos conseguido, com o esforço conjunto de promotores, financiadores, programadores, autarquia, tutela, e um punhado voluntarioso de monitores nas escolas da Boa Vista, erguer as vigas principais de uma construção a que todos queríamos conferir foros de continuidade sólida e de expansão pelas ilhas do Arquipélago, um desejo expresso pelas sucessivas Ministras da Tutela. O Triplo Salto estava agora dotado de ferramentas capazes de lhe conferir a consistência e a dinâmica almejadas, quer na vertente legal, quer na vertente pedagógica, quer mesmo na de recursos humanos, se tivéssemos capacidade, conforme projetado, de garantir a preparação dos monitores locais, disponibilizados pelo MED para o efeito, com a qualidade que a natureza do Projeto implicava.

Pairava apenas uma preocupação, e não era coisa pouca, com a sustentabilidade financeira, perante o natural crescimento da necessidade de recursos, com a entrada no Projeto da Escola Básica nº 1, que mais que duplicava o número de alunos, que crescera de 106 no 1º ano (2012/13) para as três centenas, o que adensava significativamente o esforço didático a despender, ainda mais com o acréscimo das disciplinas de Filosofia e de História em perspetiva.

Passou por isso a ser prioridade para o Conselho Diretivo organizar uma campanha de angariação de novos mecenas, na perspetiva assumida desde início pelo projeto de que seriam as empresas ligadas ao Turismo que proveriam ao financiamento do Projeto, como já acontecia com a Solférias, a TUI/Má Bó, a Contacto Virtual, a Câmara Municipal, entre outras. Criou-se um díptico de apresentação[10]; a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo, preparou um orçamento detalhado para 2015[11]; preparou-se uma ficha de cooperação para empresas e beneméritos individuais[12]; contactaram-se as principais empresas sedeadas na Boa Vista e mesmo fora da ilha e do país. Porém, a ronda que foi feita pelas empresas locais pouco mais produziu que boas palavras, e o Projeto foi entrando em stress

Uma preocupação que se foi acentuando e emergindo nos vários relatórios exarados por professores, promotores e Direção Executiva, dos quais sobressai o de uma reunião informal de emergência no Guimarães Shoping[13], em que a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo e o Diretor Pedagógico, Óscar Ribeiro, analisaram comigo a situação operacional e institucional do Projeto, tornando-se patente o contraste entre a modéstia dos recursos disponíveis, particularmente financeiros, e a vitalidade alcançada nas Escolas por ele abrangidas, graças em especial ao entusiasmo e à capacidade de trabalho e de empenho da Professora-Formadora Sónia Quedas, sem prejuízo do labor de quantos nos esforçávamos por fazer vingar o Projeto, numa fase em que recaía sobre ela não só a responsabilidade formativa dos monitores locais, a quem incumbiria ir assumindo a atividade letiva supletiva que o Triplo Salto pretendia adicionar, em formações prestadas em horário extra, como era ela que, naquela fase, garantia as aulas em todas as turmas, acrescidas da formação aos monitores locais em contexto de trabalho, a par das que lecionavam os professores de música e, naturalmente, os monitores e professores do quadro regular.

Mas em inícios de 2015 o clima que perpassava nos interstícios do Triplo Salto era de otimismo. Acreditava-se que o entusiasmo das famílias na Boa Vista com a visível alegria expressa pelas crianças nas atividades desenvolvidas e com as competências que iam adquirindo ao nível da expressão, individual e coletiva, já bem visíveis nos programas das festas que o Triplo Salto organizava regularmente garantiria o suporte popular ao Projeto; tínhamos o apoio institucional, firmado no Memorando com o MED, que disponibilizava os monitores para darem continuidade ao arranque das matérias por professores vindos de fora; sonhava-se com o papel diferenciador que as novas disciplinas a serem introduzidas (Filosofia com Crianças e História da Nação Cabo-Verdiana) trariam à população infantil e jovem da Boa Vista e, por tabela, à população em geral; a Câmara Municipal avançara com a operacionalização e regulamentação do seu Projeto da Escola de Música Olímpio Estrela, um dos anseios nucleares comuns ao Projeto Triplo Salto, que deveria culminar na emergência de uma orquestra na Boa Vista, tanto mais que jaziam arrecadados na Biblioteca Municipal, onde a Escola funcionava, instrumentos oferecidos pela Câmara Municipal do Seixal, com a qual a da Boa Vista tinha um Acordo de Geminação; estava também na calha a constituição de um grupo coral infantil com a qualidade conferida pelo conhecimento da leitura e da escrita musicais a adquirir no âmbito do programa didático do Projeto; estavam a ser lançadas as sementes de uma troupe de teatro; a Câmara Municipal estava disposta a disponibilizar espaço no novo Centro Cultural de Sal Rei para a instalação da sede do Triplo Salto; tinha começado a ser montada uma biblioteca no Centro de Juventude, onde já funcionava um convívio-debate semanal, às quintas-feiras ao final da tarde, entre setores da sociedade civil da Boa Vista e grupos de turistas que iam chegando à ilha e se interessavam em conhecer a vida dos boa-vistenses.

Crianças do projeto Triplo Salto em um folheto de divulgação

Para a história desta fase promissora do Triplo Salto ficou um programa da série Nha Terra Nha Crêtcheu, realizado pela Agência Cabo-Verdiana de Imagens (ACI), para a qual a Andreia Valdigem passara a trabalhar, emitido em março de 2015 na RTP África[14], no qual aparece estampada nos rostos felizes das crianças da Boa Vista a alegria de viver, de conviver e de aprender que campeavam por esses dias nas Escolas da Boa Vista.

Confesso que me custa descrever o que (não) veio a passar naquelas férias de verão de 2015, em que o Projeto Triplo Salto caiu numa espécie de sono catalético. Os esforços empreendidos na recolha de apoio financeiro saíram frustrados, a Diretora Executiva desencorajou-se e desistiu, a aragem das eleições autárquicas e legislativas em perspetiva no horizonte começara a sobrepor-se nas prioridades de algumas instituições à bonança que o quotidiano exige para persistir e prosperar, e o voluntarismo de alguns deixou de bastar para continuar a enfunar as velas de um navio que demandava manobras mais complexas para navegar, à bolina de ventos contrariantes…

Ainda assim, apesar do amargo de boca de quem confiava no sucesso de uma iniciativa que parecia ter atingido a velocidade de cruzeiro e a viu adornar, após três anos de porfia na sua montagem e outros três de funcionamento em crescendo, a experiência única da Associação Triplo Salto não deixou de ficar nas memórias de quem a viveu, desde promotores a patrocinadores, gestores, professores, monitores a alunos, entidades públicas e privadas que nela se empenharam, como um marco bem alto de conforto e confiança na capacidade da sociedade em se organizar para construir soluções de melhoria para as vidas das pessoas, desde tenra idade.

E perdura também a esperança de que, como semente lançada em terra boa, das crianças que naqueles anos puderam experimentar uma janela de oportunidade que as despertou para caminhos de excelência nas suas vidas, venham a emergir, ao crescerem, novas iniciativas, pela pegada dos próprios pés, como sugeria o logótipo, que concretizem os saltos que então começaram a ensaiar, para patamares mais persistentes e conclusivos do que foi um lampejo luminoso, embora efémero…



[1] [2][3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] https://caboverde-info.com/Construindo/triplo-salto

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