36 - O Triplo Salto
Até
as memoráveis lagostadas na Cá Rosalita, naquele primeiro andar de sacada da
rua dos Nautas, em que se esgueira a agora Avenida Amílcar Cabral, em outros
tempos ainda dedicada aos reis D. Pedro V e D. Luís I, a caminho da lota e da
faina diária dos pescadores, tinham ficado para trás, levando consigo a versão local
do famoso episódio de Maria Antonieta, esposa de um outro rei Luís, o XVI de
França, transposto o pão para peixe e os brioches para os suculentos
crustáceos, aqui na boca da boa da Filó, anunciando a ementa do dia: --“pêxe ca
tem; só lagosta! Cê racomendá?”…
As
ruas dos Penhascos e dos Penedos, no cocuruto de Sal Rei, acolheram entretanto Escola e Correios, fez-se
um porto novo mais além, chegaram hotéis cada vez mais modernos e maiores, espalhados
pela costa, desde a Praia de Cruz à de Chave, e o aeroporto também cresceu, acolhendo
agora, na esteira dos twin otter e dos casa dos TACV, do bombardier
da Guarda Costeira, do embraer da Inter Islands ou dos let
da Cabo Verde Express, os airbus e boeing de longo curso,
trazendo no bojo já não às dezenas de passageiros, mas às centenas, e já não
uma vez de vez em quando, mas mais e mais, cada semana, cada dia…
Acabado
de construir na Praia de Boca Salina, com mais de setecentos quartos e
capacidade para 1500 hóspedes, piscinas a perder de vista, três restaurantes,
salas de espetáculos e de reuniões, parque infantil, em regime alimentar de
“tudo incluído”, a apenas dois quilómetros do também novíssimo aeroporto, que
viria a ser batizado com o nome de um dos filhos mais grados da Terra,
Aristides Pereira, o primeiro Presidente da jovem República, filho do lendário
Padre Porfírio, a inauguração do RIU Karamboa, no dia 30 de outubro de
2008, com pompa e circunstância, marcou a esquina do tempo que trouxe a ilha da
Boa Vista para o resplendor das luzes da ribalta do Turismo de Cabo Verde. Como
consta do relatório redigido à data pelo operador Soltrópico, que marcou
presença, estiveram presentes cerca de 500 convidados, numa cerimónia que se
iniciou às 19.30, presidida pelo Primeiro Ministro de Cabo Verde, José Maria
Neves, ao lado de Luís RIU, o CEO e proprietário da Cadeia RIU, e do Presidente
da Câmara da Boa Vista de então, José Pinto Almeida.
Não
há contudo bela sem senão, e quem convivia com a população residente, como era
o meu caso desde 1990, depressa se deu conta, mesmo antes do boom que a
entrada em funcionamento da nova pista gerou, de algumas reservas dos
residentes relativamente à chegada de um número crescente de turistas, entre as
quais se destacava o receio de uma agitação que viesse abalar o sossego
tradicional até ali reinante, ou de que afinal os alegados benefícios
económicos para a ilha e para o país não se fizessem sentir nas famílias, um
problema já bem presente no Bairro da Boa Esperança, em que a pressão
habitacional, quantitativa e qualitativa, resultante da afluência de operários
de outras ilhas, mormente de Santiago e de Santo Antão, para acorrer à palpitante
construção civil, gerava já promiscuidade, ameaçando arrastar consigo a degradação dos
costumes… Acrescia a esses receios o de que os grandes operadores turísticos
internacionais replicassem na ilha o modus faciendi já bem conhecido em
destinos de turismo de massas, com soluções verticais em que os locais viessem
a ser excluídos da participação nos benefícios da indústria, designadamente no
que toca a empregos qualificados e a oportunidades de investimento, e por
conseguinte o Turismo não se tornasse para eles o elevador social prometido e esperado.
Estávamos
perante receios sérios, de contornos já bem palpáveis, mas por isso também
muito desafiantes. Tratava-se de encontrar e de pôr em marcha planos de
contingência que implicassem aquisição por parte da população local, de todas
as idades e condições, de capacidades de participação consistente no mundo novo
que chegava. E havia que assegurar que as soluções a promover, quer reativas
quer sobretudo preventivas, se ancorassem na ainda frágil organização social,
cultural, política e administrativa existente, para que fossem genuínas e
eficazes, aceites e interiorizadas pelas populações, a autóctone e a residente.
Afortunadamente,
verificou-se uma sintonia invejável entre as várias forças vivas em presença, e
foi reconfortante constatar que estavam já em marcha uma série de iniciativas
para trazer respostas aos desafios em presença.
A
Igreja Católica local, servida por congregações de Missionárias (Franciscanas
em Sal Rei, Espiritanas em Fundo de Figueiras), em apoio da Paróquia, na altura
pastoreada pelo Padre José Álvaro Monteiro Borges, e da Diocese, governada pelo
Bispo D. Arlindo Gomes Furtado, superando barreiras financeiras, burocráticas e
outras, estavam já a pôr de pé iniciativas sociais e culturais robustas, em
resposta aos desafios humanitários emergentes, caso do Jardim Padre Pio, aberto
em Sal Rei pelas Irmãs Franciscanas, gerido pela Irmã Lucinda Garcia, e do
Jardim Infantil S. Francisco de Sales, em Fundo de Figueiras, entregue às Irmãs
Espiritanas, com a Irmã Celeste Martins no comando.
Também
Pietro Pancini, um empresário italiano de construção civil da região de Milão
que se apaixonara pela ilha e já construíra nela várias obras de grande porte,
em especial na área hoteleira, tinha edificado e posto a funcionar um Infantário,
batizado com o seu nome (Jardim Pietro Pancini).
Surgiam
ainda um Infantário italiano (Un Click per un sorriso), dirigido pela
pedagoga Sonia Stachezzini, e uma Escola Francesa, dirigida por Primoz Grezak e
Teresa Brito.
E
funcionava também um Jardim Infantil em João Galego.
Por
outro lado, as Escolas Públicas, com destaque para a Escola nº 1 de Sal Rei,
eram, obviamente, o núcleo duro a ter em conta a médio prazo, nas fases do
Projeto definidas como Segundo e Terceiro Saltos, isto é, no Ensino Básico e
Secundário.
A
ideia de enxertar no Sistema de Educação da Boa Vista um programa de
optimização do Ensino como o que preconizava o Triplo Salto era a de fazer com
que o Turismo não só não fosse encarado de forma negativa pela sociedade local,
como passasse a ser olhado como uma contribuição positiva não apenas para a
Economia da ilha, como até fator de aceleração para o desejável desenvolvimento da Boa Vista no seu todo,
humano, económico, cultural, social e ambiental.
Nada
melhor, para se obterem tais resultados, do que um projeto de intervenção consistente
e sólido, vertido num programa educacional que envolvesse as diversas camadas de
crianças da ilha, desde tenra idade até à idade adulta, capaz de influenciar
positivamente as próprias famílias e, no final, a sociedade no seu todo.
Foi
nesse intuito que elaborei um Memorando, que foi fazendo o seu caminho durante
3 anos, na Câmara Municipal, na Paróquia, no próprio Ministério da Educação,
mas sobretudo nas Empresas ligadas ao Turismo, das quais se esperava apoio, em
especial financeiro e logístico.
MEMORANDO
Atualização em março de 2012
O Projeto terá a designação de TRIPLO SALTO,
pelas seguintes razões:
- A sua abrangência configura de facto um ‘salto’
triplo educacional e formativo.
- Triplo Salto é uma disciplina de atletismo,
e como tal adequa-se muito bem ao ciclo de vida dos alunos do projecto.
- O salto triplo, com os seus arranques
sucessivos, exige qualidades de perseverança e de reposicionamento que se
aplicam bem às etapas do Projeto.
- Nelson Évora, campeão olímpico da
modalidade, ficará para os cabo-verdianos durante longos anos como um bom
exemplo a seguir.
B – VISÃO
O Projeto
Triplo Salto pretende fazer da Boavista uma “ilha do conhecimento”, e também
uma “ilha de humanismo”, através das três etapas da escolaridade que levarão os
respectivos alunos da infância à meninice, da meninice à adolescência e da
adolescência à juventude, preparando-os de forma excelente para desempenharem
papel de relevo na sociedade, durante e após o processo.
Transmitir a
um grupo numeroso de crianças, adolescentes e jovens da Ilha da Boavista, em
Cabo Verde, e tendencialmente a todos, conhecimentos e sensibilidades além e
acima dos padrões correntes, através da escola.
O Projeto
Escolar será faseado no tempo, incidindo na pré-primária, prosseguindo na fase
do ensino básico, e culminando no secundário, até ao limiar do grau
universitário.
A Missão é
conseguir fermentar a sociedade da Boavista, através de um up-grade de conhecimentos e de atitudes por parte das crianças, e
mais tarde dos adolescentes e dos jovens da ilha, no caminho da excelência,
induzida e progressivamente assumida e reproduzida pela sociedade da ilha.
D – VALORES
O Projecto
TRIPLO SALTO pauta-se pelos princípios mais nobres e universais da humanidade,
dos quais são de salientar os seguintes: liberdade, frontalidade, coragem;
tolerância, respeito pelos semelhantes e pela natureza em geral; solidariedade,
entreajuda; amor ao próximo, ao saber, à verdade, à arte e à natureza;
criatividade, dinamismo, espírito de conquista; ética, justiça, honestidade;
perseverança; procura da qualidade, da excelência.
Estes valores
são tanto mais de rigor, quanto o Projeto visa explicá-los às crianças e jovens
alunos, para os levar a entendê-los e a assumi-los.
E – Descrição sucinta do Projecto
- Pretende-se,
a partir de um número representativo de crianças em idade de pré-primária
(3/4 anos) na Boavista, implantar um sistema avançado de ensino.
- Estas
crianças serão repartidas em turmas dimensionadas segundo as normas de
ensino e de apoio global para a idade, e distribuídas, no primeiro ano de
funcionamento do Projeto por várias escolas, que a ele adiram.
- O número
de alunos e de escolas poderá ser aumentado com o desenvolvimento do
Projeto, seguindo normas de sustentabilidade quer do próprio Projeto,
quer de cada uma delas.
·
Quando as crianças que integrarem o primeiro ano de funcionamento do
Projeto chegarem à idade escolar (após 3 anos de pré-primária), com
aproveitamento conforme ao Projeto, passam a integrar escolas-piloto de ensino
básico, as quais adotarão o modelo de ensino do Projeto TRIPLO SALTO, que dará
sequência aos níveis de conhecimento adquiridos pelas crianças no PRIMEIRO SALTO,
em conjugação com os moldes formais do Ensino Público de Cabo Verde.
·
O Terceiro Salto, que concluirá o âmbito do Projecto TRIPLO SALTO, numa
duração total previsível de ciclos de 15 anos de estudos, funcionará em escolas
secundárias do Sistema de Ensino Nacional na Boa Vista (sem exclusão de outras
regiões do país), mediante contratos-programa harmonizados com todos os
parceiros, incluindo o Ministério da Tutela, e deverá deixar os respectivos
alunos preparados para enfrentar níveis de ensino superior exigentes em
qualquer universidade, nacional ou estrangeira.
F – Conteúdos do Projeto
Tratando-se de
um Projeto de Ensino, os respectivos conteúdos são as matérias curriculares a
serem dispensadas aos alunos.
A definição de
tais matérias será alvo de uma escolha criteriosa por um júri avalizado, de
imediato no que toca ao PRIMEIRO SALTO, e 2 anos antes do início de cada um dos
dois “saltos” seguintes, de modo a permitir um período de análise e adoção de
manuais e outras ferramentas didáticas.
G – Planeamento Financeiro
Um orçamento
para o PRIMEIRO SALTO encontra-se em preparação, e será brevemente apresentado
aos patrocinadores do Projeto.
Também para os
“saltos” seguintes serão preparados planos orçamentais, os quais deverão ser
elaborados em estreita ligação com as autoridades nacionais e locais
competentes em matéria de ensino público, uma vez que se conjugarão com o Plano
Nacional de Ensino de Cabo Verde e serão acompanhados e apoiados pelo
Ministério da Educação.
H – Equipa Executiva e Recursos Humanos
O Projeto
Triplo Salto terá uma equipa executiva de 3 pessoas, a saber, um Director(a) de
Projeto, e dois assistentes, eleitos pelo conjunto das escolas e nomeados pelo
Conselho de Promotores.
Uma equipa de
3 Consultores benévolos (não pagos pelo Projeto), representantes dos
Patrocinadores e por estes escolhidos, deverá ser consultada e mantida ao
corrente no que toca às normas e traves mestras do Projeto. Um dos membros do
Conselho Consultivo deverá ser jurista.
I – NORMAS
O Projeto será
lançado e monitorizado pela Equipa Executiva a partir de um Manual de Normas ou
Contrato-Programa (em preparação pelos Promotores), e que deverá ser validado
por um colégio formado pela equipa de consultores e pela equipa executiva, e
que deve estar de acordo com toda e qualquer disposição legal do país, a fim de
poder ser aprovado sem qualquer reserva pelos Poderes Públicos.
J – QUALIDADE
O Projeto TRIPLO SALTO obriga-se a uma certificação prévia de Qualidade firmada por uma Entidade Certificadora idónea, bem como à manutenção das exigências de tal Processo em matéria de melhoria contínua.
Uma das primeiras pessoas a quem apresentei este memorando foi o sr. Luis Riu, acompanhado pelo Fernando Paetaw, Diretor dos RIU do Sal (Garoupa e Funnaná), logo na inauguração do Karamboa. Ficou a manifestação de interesse de princípio em colaborar no Projeto, mas em carta enviada com data de 18 de dezembro, o sr. Luis RIU explicaria que a Cadeia tinha um projeto mais vasto de cooperação social para África, de apoio a crianças com síndrome de Down, no qual pretendia concentrar as suas atenções.
Mas
a pessoa a quem se impunha uma apresentação prévia circunstanciada do Projeto
Triplo Salto era a Ministra da Educação, à data Vera Duarte Pina, não só por uma
questão de enquadramento institucional, como sobretudo porque o objetivo do
Projeto era contribuir para a melhoria do sistema de ensino, trabalhando-o por
dentro, de forma progressiva, inclusiva e empática. Encontrei-me com ela na Guest
House Migrante, na Avenida Amílcar Cabral, onde se encontrava alojada, em
missão na ilha. O acolhimento da responsável pelo Sistema de Educação em Cabo
Verde à ideia do Projeto Triplo Salto não podia ser mais auspiciosa. Em resumo,
demonstrou grande clarividência ao reconhecer que a quantidade tende a ser
inimiga da qualidade, para assinalar que a preocupação em democratizar o ensino
obrigatório levando-o a todas as crianças e jovens do país sem exceção não
preenche toda a dimensão da missão do Ministério, pelo que considerava
bem-vindo qualquer projeto que acrescentasse qualidade à oferta pública. Deixou
por isso abertas as portas do Ministério e da Delegação local de Educação para
que estudássemos os trâmites em que o Projeto podia ser apoiado, desde logo
como projeto-piloto, na perspetiva de vir a ser replicado também em outras ilhas do
país.
Nos
meses seguintes ocorreram reuniões com a Câmara Municipal e a Paróquia, mas as
minhas deslocações à Ilha, embora regulares, eram espaçadas, e havia que
encontrar alguém que pudesse dedicar-se à instalação do Projeto. Uma velha
amizade, desde os tempos em que vivi na Praia, o Celso Celestino, um distinto
Técnico Superior na área financeira, mas igualmente pessoa culta e interessada
pela Boa Vista, de onde era natural, sinalizou-me um outro boa-vistense,
Marcelo Évora, um académico recém-aposentado que entendia estar talhado para
essa missão. Almoçámos um belo dia os três no Colombo, em Lisboa, e ficou desde
logo expresso que o Marcelo aceitava, até com visível regozijo, assumir essa
responsabilidade em contribuir para um novo impulso ao desenvolvimento da sua
terra natal, em condições que ficaram desde logo alinhavadas.
Regressado
a Portugal, Marcelo Évora trabalhou durante três meses a redação do que seria o
Primeiro Salto do Projeto, ou seja, as diretivas do que seria o programa
pedagógico das crianças que haveriam de frequentar a pré-primária nas Escolas
aderentes. Regressou à Boa Vista em julho para ultimar conversações com as
Escolas, com a Câmara Municipal, a Delegação Escolar e com outras Organizações
da sociedade civil. No dia 6 de julho voltou a reunir com a Delegada Escolar na
Ilha, Élida Mosso, e com Roberta Fragalá, psicóloga ligada à Câmara Municipal,
indicada pelo Presidente José Almeida, reunião esta na qual foram discutidos os
critérios de seleção para os alunos candidatos e as propinas a serem
estabelecidas, uma vez que a ideia nessa altura era ainda de abrir uma escola à
parte para instalação e maturação do projeto, e adiantada a coluna vertebral
das matérias a serem consideradas na fase do Primeiro Salto, ou seja, na idade
da Pré-Primária:
O programa do SALTO 1 é uma
plataforma de iniciação que se pretende profícua e prometedora dum futuro
escolar cuja evolução e aproveitamento estejam previstos e garantidos desde o
ponto de partida. Para prevenir as
dificuldades e ultrapassá-las, dotar-se-ão as crianças do pré-escolar das
condições de possibilidades dos resultados pretendidos com a instituição do
TRIPLO SALTO. Para melhor atingir os objetivos desta etapa ela será organizada
segundo áreas tão imbricadas e tão estreitamente correlacionadas para que os
conhecimentos transmitidos e adquiridos constituam um todo sistémico, um todo
coerente cujas partes estarão tão correlacionadas que uma vez visionada uma
delas a sequente conferir-lhe-á uma relação de sentido tal que fará emergir
todos os outros conhecimentos que façam parte desse todo. Por isso o SALTO 1
será constituído por três áreas:
Ø “área de formação pessoal e social” de que os mecanismos e objetivos de
socialização serão a preocupação essencial com vista a conseguir a melhor
integração no grupo e a criar a melhor incentivação à aplicação conjunta,
grupal, nas tarefas escolares. Aqui procurar-se-á inculcar os valores da escola
e da família com destaque para o valor essencial do trabalho realizado em grupo
e em equipa para a boa distribuição não só do trabalho e do conhecimento, como
também para o estabelecimento e consolidação de laços da mais variada natureza
como a consecução dos objetivos escolares; mas também os da sociedade como
espaço por excelência de realização pessoal;
Ø “área de expressão e comunicação” que tendo sempre presente os pressupostos
da eficaz e profícua socialização, abrirá as portas da sensibilidade com
vista ao despertar do sentido estético,
mas também como forma de abrir as possibilidades de geração da abertura do
espírito para receber, compreender e construir de forma natural outros
conhecimentos designadamente de carácter científico, tecnológico, social em que
predomina o espírito crítico, a curiosidade para o saber e o não conformismo
com o sabido e o estabelecido. O porquê, o como, o para quê devem ser as
fórmulas de cristalização e enunciação do espírito científico a infundir;
Ø “área de conhecimento do mundo” que objetivará as condições de conhecimento
do mundo em que habitamos cujas possibilidades nos são proporcionadas pela
capacidade de nomear as coisas, categorizá-las segundo formas, cores,
dimensões, o tipo de sensações que provocam. Aqui, serão destacadas as formas
de vida e distinguidos os tipos de objetos, corpos e produtos naturais e
artificiais com que convivemos e coabitamos, de que nos servimos para a nossa
subsistência e será acentuado que todos devem ser respeitados e preservados não
só por respeito às outras espécies como por razões da sustentabilidade e
conservação qualitativa do Mundo. Este conhecimento deverá constituir um meio
para sensibilizar os pequenos educandos para a essencialidade do tempo e do
espaço; das dimensões geométricas e possibilidades fornecidas pelos números não
só para a contagem e ordenação dos objetos e dos fenómenos da perceção como
também na formação de conteúdos matemáticos de que resulta o rigor científico e
dos modos de condução da vida como a contagem horária, a ordenação das coisas
no espaço e até das nossas próprias ideias, concretas e abstratas, que se podem
colocar em forma de raciocínios e de problemas tanto qualitativos como
quantitativos cujas formulações se deverá ensinar.
Assim, neste segmento temporal e curricular da aprendizagem e
desenvolvimento da criança, “o essencial é que os assuntos abordados e o seu
desenvolvimento, são os aspetos que se relacionam com processos de aprender:
capacidade de observar, o desejo de experimentar, a curiosidade de saber, a
atitude crítica.” E sobretudo o esforço e a capacidade para transmitir
conhecimentos; competência e a determinação para inculcá-los; dominar os
saberes e conseguir utilizar as ferramentas psicosociais que facilitem a motivação
dos alunos para a aprendizagem e ainda a capacidade para a realização de um tão
particular e exigente tipo de trabalho, isto é, abertura para dedicar-se e
criar o ambiente propício ao favorecimento da aprendizagem e desenvolvimento
tão harmoniosos e proveitosos quanto possíveis dos pré-escolares instilando
neles a tensão “exasperante” para o saber, para a busca da informação, para a
qualificação e para a participação nas tarefas societais em detrimento dos
egoísmos e da facilitação. Por tudo isso, o docente do TRIPLO SALTO terá que
fazer a diferença e esforçar-se-á por ser um inovador e criativo, para que
esteja na vanguarda e sempre sintonizado com os seus alunos e com as suas
necessidades educativas e cooperante com as famílias destes, por forma a evitar
que eles sejam apenas meras reproduções de Carlos Bovary cuja meta de futuro
não passou de pouco mais do que uma trágica frustração.
Entretanto, a base doutrinal do Projeto Triplo Salto foi sendo robustecida entre outras contribuições com a de uma Comissão da União Europeia, encabeçada por Jacques Delors, que acabava de publicar um relatório importante sobre Educação, cuja síntese incluo a seguir, e que me parecia tocar as cordas mais sensíveis do papel da formação das crianças e jovens para a eclosão de uma sociedade mais justa e evoluída:
OS QUATRO PILARES DA EDUCAÇÃO
(por Jacques Delors)
Pistas e recomendações
A educação ao longo de toda a vida baseia-se
em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver
juntos, aprender a ser.
1.
Aprender a conhecer, combinando
uma cultura geral, suficientemente vasta, com a possibilidade de trabalhar em
profundidade um pequeno número de matérias. O que também significa: aprender a
aprender, para beneficiar-se das oportunidades oferecidas pela educação ao
longo de toda a vida.
2.
Aprender a fazer, a fim
de adquirir não somente uma qualificação profissional mas, de uma maneira mais
ampla, competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e
a trabalhar em equipa. Mas também aprender a fazer, no âmbito das diversas
experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adolescentes,
quer espontaneamente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente,
graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho.
3.
Aprender a viver juntos,
desenvolvendo a compreensão do outro e a perceção das interdependências -
realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos - no respeito pelos
valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz.
4.
Aprender a ser, para
melhor desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez
maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal.
Para isso, não negligenciar na educação nenhuma das potencialidades de cada
indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão
para comunicar.
Numa altura em que os sistemas
educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento
de outras formas de aprendizagem, importa conceber a educação como um todo.
Esta perspetiva deve, no futuro, inspirar e orientar as reformas educativas,
tanto a nível da elaboração de programas como da definição de novas políticas
pedagógicas.
Vale
ainda, a propósito de prolegómenos pedagógicos na preparação do Projeto Triplo
Salto, referir quão influente foi o trajeto da formação de que me foi dado
usufruir, e portanto o que pesou nas minhas próprias convicções e nos momentos
em que fui chamado a responsabilidades pedagógicas, profissionais ou
vocacionais. Na Congregação do Espírito Santo, em que me formei, dos 10 aos 25
anos, o Ensino, além de exigente, era muito formativo do carácter, e portanto multidisciplinar,
provavelmente devido ao facto de a Instituição ter sido trazida para Portugal
por padres alsacianos com erudição e formação humana acima da média,
considerando o que era o ambiente académico em Portugal no final do século XIX.
Ficou para a história uma obra pedagógica de topo que marcou o período antes da
Primeira Grande Guerra, escrita por um discípulo destes Padres eruditos que
lecionaram no Colégio do Espírito Santo em Braga, de nome António de Sena Faria
de Vasconcelos Azevedo, da qual vale a pena deixar aqui um resumo do que foi a
marca do movimento denominado na altura "Escola Nova", pilar dos programas de Ensino em diversos países da Europa na primeira metade do século XX, e que enformou igualmente os programas
pedagógicos dos vários Colégios geridos à época pelos Padres do Espírito Santo,
caso do já citado Colégio do Espírito Santo de Braga, que veio a transformar-se
no Liceu Sá de Miranda; do Colégio da Formiga em Ermesinde; do Colégio Santa
Maria no Porto; do Colégio Fisher em Ponta Delgada; bem como dos seminários que
durante o século XX, apenas com a interrupção no período da Primeira República,
que fechou os estabelecimentos de ensino religiosos, formaram os seus
missionários, em Braga, Viana do Castelo, na Guarda, em Santarém, em Barcelos
(Silva), e em S. Domingos de Rana (Cascais), cuja missão foi invariavelmente
levarem o conhecimento filosófico e científico e a fé cristã a países de África,
particularmente os lusófonos.
Eis
alguns dos 30 princípios preconizados por Faria de Oliveira para servirem de
travejamento à Escola Nova:
Ø A Escola nova é um laboratório de pedagogia prática. Procura desempenhar o papel explorador ou de pioneiro das escolas públicas, mantendo-se ao corrente
da psicologia moderna nos meios que aplica, e das necessidades modernas da vida espiritual e material, nos objetivos que estabelece para a sua atividade.
Ø A Escola nova organiza trabalhos manuais para todos os alunos, durante pelo menos hora e meia por dia, em geral das 14 às 16 horas, trabalhos obrigatórios que, mais do que terem uma finalidade profissional, têm um objetivo educativo e de utilidade individual ou coletiva.
Ø Além de trabalhos definidos, há trabalhos livres que desenvolvem os gostos da criança e lhes despertam o
espírito criativo e o engenho.
Ø As viagens,
a pé ou de bicicleta, com acampamento em tendas e as refeições preparadas pelas próprias
crianças, desempenham um papel importante na Escola Nova.
Estas viagens são preparadas com antecedência e têm uma função pedagógica.
Ø Em relação à educação intelectual, a Escola Nova procura
abrir a mente para uma cultura geral do espírito e não para uma acumulação de conhecimentos
memorizados. O espírito
crítico nasce da
aplicação do método científico: observação, hipótese, verificação, lei. Um
núcleo de áreas de estudo obrigatórias proporciona uma educação integral, não
enquanto instrução enciclopédica, mas como possibilidade de desenvolvimento,
pela influência do meio e dos livros, de todas as faculdades intelectuais
inatas da criança.
Ø A cultura geral é concretizada numa dupla especialização: primeiro espontânea, cultura dos gostos preponderantes
de cada criança; depois sistematizada e desenvolvendo os interesses e
faculdades do adolescente num sentido profissional.
Ø O ensino é baseado em factos e experiências. A aquisição de conhecimento resulta de observações
pessoais (visitas a fábricas, trabalhos manuais, etc.) ou, na falta delas, de
outras observações recolhidas em livros. Em qualquer caso, a teoria segue-se à
prática, nunca a precede.
Ø O ensino é também baseado na atividade pessoal da criança. Isto supõe a associação mais próxima possível
do estudo intelectual com o desenho e demais trabalhos manuais.
Ø O ensino é baseado nos interesses espontâneos da criança: dos 4 aos 6 anos, idade de interesses difusos ou idade do jogo; dos 7 aos 9 anos, idade de interesses ligados a objetos concretos imediatos; dos 10 aos 12 anos, idade de interesses especializados concretos ou idade das monografias; dos 13 aos 15 anos, idade de interesses abstratos empíricos; dos 16 aos 18 anos, idade de interesses abstratos complexos: psicológicos, sociais, filosóficos. O que acontece na escola ou fora dela dá origem, entre os mais velhos e os mais novos, a lições ocasionais e discussões com lugar de destaque na Escola Nova.
Ø O trabalho individual do aluno consiste em pesquisar (em factos, livros,
jornais, etc.) e classificar (de acordo com um quadro lógico adequado à sua
idade) documentos de todos os tipos, bem como em trabalhos pessoais e na
preparação de palestras a fazer na aula.
Ø O trabalho coletivo consiste na troca e na ordenação ou elaboração lógica em
grupo dos documentos de trabalho de cada um.
Ø A educação moral, como a educação intelectual, deve ser
exercida não de fora para dentro por autoridade imposta, mas de dentro para
fora pela experiência e a prática gradual do sentido crítico e da liberdade.
Ø A emulação ocorre essencialmente através da comparação feita pela
própria criança entre o seu trabalho atual e o anterior, e não exclusivamente
pela comparação do seu trabalho com o dos colegas.
Ø A Escola nova deve ser um ambiente de beleza como escreveu Ellen Key. A ordem é a primeira condição, o ponto de partida. A arte industrial
que se pratica e de que se está rodeado conduz à arte pura, própria para
despertar, na natureza dos artistas, os sentimentos mais nobres.
Ø A música em grupo, seja canto ou orquestra, exerce uma mais profunda e
purificadora influência naqueles que dela gostam e a praticam. Todas as
crianças deveriam beneficiar das emoções que ela desperta e desenvolve.
Ø A educação da razão prática consiste principalmente, entre os adolescentes, em
reflexões e em estudos referentes às leis naturais do progresso espiritual,
individual e social. A maioria das Escolas novas observa uma atitude religiosa
não confessional ou interconfessional que é acompanhada pela tolerância em
relação aos diferentes ideais, na medida em que encarnam um esforço com vista
ao crescimento espiritual do ser humano.
Como farinha que se deixa a levedar na masseira com fermento de padeiro, ou como campo carente de adubagem, houve um tempo de pousio, que se prolongou por três longos anos, antes que as boas intenções e as boas promessas se convertessem em realidade. Tempo necessário para aclarar conceitos, motivar pessoas e organizações e colocar nos alicerces os fundamentos, e, sobre eles, todas as pedras da cantaria em que viria a enquadrar-se a construção entre sólida e versátil que se pretendia.
Foi assim que
se ergueu, laboriosamente, o tripé financeiro indispensável para alicerçar todo
o plano, com a anuência da Solférias, em 2012, em financiar o transporte das
pessoas que havia que deslocar desde Portugal, ao longo dos anos letivos; com o
compromisso da Câmara Municipal da Boa Vista em disponibilizar um apartamento
que acolhesse os professores necessários durante o período de capacitação dos professores e monitores nas diversas Escolas; com o patrocínio da TUI Cabo
Verde, através da Má Bó, do empresário Duarte Correia, no pagamento dos académicos a deslocar.
Por detrás
desta contextura subliminar de crescimento das raízes do Triplo Salto estiveram
pessoas generosas, apaixonadas pelas crianças e pelas famílias, desde logo o
Padre Paulo Borges Vaz, que veio paroquiar a Boa Vista; a Andreia Valdigem,
jornalista genuinamente empenhada no crescimento saudável das populações da
ilha; Óscar Ribeiro, um artista musical dedicado ao desenvolvimento infantil
através da música, vindo pela mão da Iva do Rosário, entretanto Vereadora da Cultura
na Câmara Municipal; Ricardina Silva, Diretora do Jardim Pietro Pancini: Paulo
Santos, empresário; as Irmãs Paula Semedo, Lucinda Garcia e Celeste Martins,
Diretoras dos Jardins de Infância da Igreja; Élida Mosso, Delegada do
Ministério da Educação; Ulisses Santos, jurista na Sociedade de Desenvolvimento
da Boa Vista e Maio…
Ulisses Santos expôs aos presentes o
desenho jurídico do Projeto, que se traduziria numa Associação sem fins lucrativos,
em que os Associados seriam tanto empresas, como instituições, escolas ou
pessoas singulares, que se associariam em dois planos distintos, o de patrocinadores
e o de beneficiários, dando os patrocinadores origem a um órgão consultivo, mas
com um papel decisório ao nível dos patrocínios, ao passo que as Escolas
(beneficiárias) iam gerar a Direção Executiva da Associação, decisora aos
níveis didático, pedagógico, e também de gestão, sendo que a gestão financeira
seria supervisionada pelo órgão consultor, através de mecanismos a serem
definidos oportunamente. Os Associados beneficiários teriam direitos e
obrigações a constar de um contrato-programa em vias de ser redigido, que
serviria de norma à admissibilidade de todo e qualquer candidato (escola) ao
apoio do projeto, e serviria de bitola a uma monitorização adequada. Todos os
presentes concordaram quer com estrutura em montagem quer com o arranque do
Projeto em 2012.
O Jurista Ulisses Santos concluiu os Estatutos da Associação e o Contrato-Programa, o Padre Borges encarregou-se das diligências administrativas, e o Triplo Salto ganhou vida.
Destinava-se esta reunião a apurar o interesse de cada uma das escolas em aderirem à Associação Triplo Salto, projeto que já tinha sido apresentado à grande maioria dos presentes, quer pessoalmente, quer através da documentação orientadora do mesmo.
Eu resumi para os participantes na reunião as traves-mestras do projeto (Memória Descritiva inicial e introdução didática e pedagógica do Marcelo Évora), esclarecendo que em 2007, quando dos primeiros passos, o Triplo Salto visava abrir uma Escola pré-primária em Sal Rei e outra no Norte, as quais haveriam de adotar os princípios orientadores estabelecidos nestes documentos, os quais foram entretanto apresentados ao Ministério da Educação, que os apoiou e encorajou a que se avançasse com o projeto, que considera bem vindo, na medida em que reconhece a necessidade de escolas de iniciativa privada que tragam ao ensino focos de qualidade e excelência em Cabo Verde.
Todos os presentes, sem exceção, se pronunciaram positivamente quanto à adesão a este projeto, e por isso manifestaram a decisão de aderir à associação.
Em reação ao meu apelo a que o Projeto
só faria sentido se, como sublinhado pelo Ministério da Educação, trouxesse claramente valor acrescentado ao sistema de
ensino vigente, Teresa Brito e Primoz Grezak deram a conhecer a ligação da sua
escola a uma rede internacional já sujeita a avaliação de qualidade, e
disponibilizaram-se a que a sua escola contribuísse para ajudar todas a adotar
normas já rodadas por ela.
Ricardina Silva congratulou-se em
especial com o interesse das empresas do trade
do turismo pelos interesses da sociedade boa-vistense através do projeto Triplo
Salto.
O Padre Paulo testemunhou estar a encarar
o ensino ligado à paróquia em consonância com os métodos e valores defendidos
pelo projeto Triplo Salto, que perfilha, salvaguardando que as escolas da
Igreja têm, para além de objetivos didáticos, pedagógicos, culturais e sociais,
ainda os que se ligam à fé pregada pela instituição que encabeça na Boa Vista.
Andreia Valdigem informou as pessoas
presentes do grande interesse que dedica às questões da educação e da inclusão
social na Boa Vista, interesse esse que a levou a estar implicada nos
primórdios deste projeto, que tem seguido com a maior atenção, e que tem
socializado no âmbito da sua profissão de jornalista. Além disso, manifestou-se
disponível para exercer um papel ativo no projeto.
Para finalizar, ficou decidido por unanimidade que a Associação será constituída o mais tardar até final de fevereiro, para o que será convocada reunião constituinte da qual sairão a aprovação dos estatutos e do contrato-programa e os corpos sociais.
Com
o nº 349, e com o NIF 566303361, pelos cuidados do Padre Paulo Borges Vaz, foi
registada no dia 6 de junho de 2012 na Conservatória dos Registos e Cartório
Notarial de 2ª Classe da Boa Vista a Associação Triplo Salto – Parceria
para a Inovação Educativa e Cultural, com o Objeto Social de promoção
de um modelo educativo inovador e de excelência em todos os níveis de ensino,
segundo as orientações e objetivos aprovados pelo Conselho Diretivo, e, bem
ainda, a promoção da cidadania ativa e o respeito pelos direitos humanos e por
outros valores universais.
Em
face da dificuldade em reunir presencialmente todos os outorgantes, foi
mandatada uma Comissão Instaladora, a que presidiu o Padre Paulo Vaz, para
convocar a Assembleia Geral e eleger os Corpos Sociais, vindo esta a
concretizar-se só um ano mais tarde, em 7 de junho de 2013, ficando então a Mesa
da Assembleia Geral constituída por Ulisses Santos, Jurista da SDTIBM
(Presidente); José Luís Correia, Administrador da Solférias (Vice-Presidente);
Irmã Paula Semedo, Diretora do Centro Nossa Senhora da Boa Esperança (Vogal); e
Jorge Santos, Administrador da ASA (Suplente). No Conselho Diretivo
ficaram Ricardina Silva, Diretora do Jardim Infantil Pietro Pancini (Presidente);
Óscar Ribeiro, da Empresa Colcheia (Vice-Presidente); Odete Melo Ramos,
Diretora da Escola S. Francisco de Sales (Secretária); Andreia Valdigem,
Jornalista (Vogal); e Escola Padre Pio (Vogal). O Conselho Consultivo
ficou constituído por Eduardo Lima, da Má Bó; Armando Ferreira, Promotor; e
Câmara Municipal da Boa Vista. A AUDITEC-SROC assumiu o Órgão de Fiscal
Único.
Os
Estatutos[1],
em 7 capítulos e 38 artigos, redigidos pelo jurista Ulisses Santos, estabelecem
que o Projeto Triplo Salto é um Manual aprovado pela Assembleia Geral, que
define o quadro dos objetivos fundacionais do Projeto, dos objetivos
programáticos, e um conjunto de normas onde estão consagradas as orientações
para a implementação de um modelo educativo inovador e de excelência que
contribua de forma positiva para a criação de uma sociedade de conhecimento e
tecnologia avançados, e apontam, no seu Capítulo II – OBJETIVOS – para um
conjunto de metas específicas a serem atingidas pelo Triplo Salto, a saber:
a) Apoiar a implementação de um modelo
educativo inovador, atualizado, progressivo, capaz de promover o
desenvolvimento das competências pessoais, interpessoais e sociais;
b) Preservar e divulgar os valores
universais e a cultura de Cabo Verde, designadamente o respeito pela pessoa
humana e pela sua dignidade, visando uma melhor estruturação da sociedade em
particular, e sua adaptação às exigências da modernidade contemporânea;
c) Promover o respeito e a valorização da
diversidade cultural;
d) Incentivar a formação de cidadãos
líderes no ambiente familiar, profissional e social, capazes de exercer uma
ação positivamente transformadora na sociedade em que estão inseridos;
e) Desenvolver e apoiar ações que visem a
mobilização de recursos pedagógicos, humanos e financeiros que assegurem a
implementação do “Projeto Triplo Salto”;
f) Fomentar a adesão de entidades, públicas
ou privadas, individuais ou coletivas, ao “Projeto Triplo Salto”, celebrando
com as mesmas protocolos de cooperação[2]
ou contratos-programa;
g) Prestar toda a colaboração,
designadamente, a instituições privadas e estabelecer modelos de cooperação com
entidades públicas locais ou nacionais, ou mesmo estrangeiras, com vista ao
esforço comum, e facilitadores de economias de escala que favoreçam a
realização das melhores prestações educativas e culturais;
h)
Mobilizar financiamentos para as atividades da TRIPLO SALTO e contribuir para a
mobilização daqueles que sejam necessários para o implemento dos projetos
aprovados.
Uma
minuta do acima referido Contrato-Programa[3],
igualmente redigido por Ulisses Santos, veio completar a arquitetura estrutural
do Projeto Triplo Salto. Este documento, a ser assinado pelas partes (a Direção
do Triplo Salto e as Escolas candidatas a beneficiárias), definia, em 10
cláusulas, o objeto do Contrato, as atividades a desenvolver, os apoios e as
obrigações das partes, além de precisões de caráter legal e burocrático.
Para
encurtar distâncias entre gestores, docentes e patrocinadores, alguns vivendo
fora da ilha e até do país, criou-se uma check-list online no Google
Drive, aberta aos membros do Conselho Diretivo, da Direção Executiva e dos
Professores-Monitores, uma espécie de sala de reuniões aberta 24 horas por dia,
7 dias por semana, 365 dias por ano, com secções de intervenção desde
Formalização Organizacional e Programação a Formação de Monitores, Conteúdos
Didáticos, Logística, Financiamento, Secretariado, Dados Documentais, Eventos, etc.,
uma ferramenta que recebeu milhares de inputs durante os 3 anos em que vigorou[4],
e em que os pareceres a dar, as decisões a tomar e as tarefas a executar,
sublinhados por cores conforme o estado de avanço na concretização, eram
facilmente identificáveis por todos os intervenientes. Um instrumento de
trabalho em co-working que se revelou de particular eficácia na gestão
da tarefa assaz complexa de coordenar uma intervenção dinâmica diária em 5
Escolas, em Sal Rei e Fundo de Figueiras, funcionando como a Agenda Comum de
planeamento e ação do Triplo Salto, a interface de comunicação dos numerosos
relatórios de atividade, o despertador para que não ficasse esquecido o
sequenciamento às medidas tomadas diariamente e o repositório de achegas de
todos a todos na garantia de execução das lides diárias…
Foi
admitida como Diretora Geral uma gestora experimentada, com missões humanistas já
desempenhadas para a ONU, em Timor e na Guiné-Bissau, Filipa Figueiredo.
Este
quadro organizacional completar-se-ia com a constituição de um Conselho
Científico e Pedagógico, que viria a ser lançado em janeiro de 2015 numa
reunião havida no Hotel Iberostar, Praia de Chaves, entre a Diretora Executiva,
Filipa Figueiredo, o Diretor Pedagógico, Óscar Ribeiro, e a Professora-Monitora
de Expressões, Sónia Quedas.
A
atividade do Triplo Salto iniciou-se em janeiro de 2013, decorrido um ano da
reunião em que fora tomada essa decisão… Mas arrancou em bom ritmo, nos 5
Jardins que aderiram ao Projeto, com as matérias previstas para o 1º Salto, ou
seja, Educação Musical, Psicomotora, Plástica, Corporal e Oral, tendo os conteúdos
pedagógicos sido delineados pela empresa Colcheia de Óscar Ribeiro, ministrada
por dois pedagogos da mesma empresa, Hélio Ribeiro e Miguel Arruda, que
viajaram a expensas do Operador Turístico Solférias e ficaram alojados, neste
período, no Estoril Beach Resort, por conta da Câmara Municipal, salários pagos
pela Tui/Ma Bó de Duarte Correia e Eduardo Magalhães, e cuja missão incluía a formação de monitores
locais nessas matérias, de que viriam a assumir eles próprios as atividades
didáticas.
Ao
mesmo tempo, foi dada continuidade aos contactos com o Ministério da Educação e
Desporto, numa reunião na Praia, no Palácio do Governo, na manhã do dia 27 de
fevereiro, na qual o Óscar Ribeiro e eu expusemos às Diretoras do Ensino
Pré-Escolar, Teresa Araújo e Djamina Silva, ao Diretor do Desporto Escolar,
Francisco Romero, e à Diretora Geral do Ensino Básico e Secundário, Teresa
Lima, numa sessão de trabalho acolhedora e encorajadora, os detalhes do
arranque do Triplo Salto, assim como os planos gizados para o ano letivo
2013/2014, e fomos avançando mesmo, dada a presença na reunião da Diretora
Geral do Ensino Básico e Secundário, a planificação já desenhada para o 2º
Salto, a estender ao Ensino Básico no ano letivo 2014/2015, ficando desde logo
lançado o repto de nova reunião, para a qual haveria que preparar os termos de
um Memorando de Entendimento a ser assinado entre o Ministério e o Triplo
Salto.
Aproveitando
a deslocação à Praia, reunimos no mesmo dia no Ministério da Cultura com o
Diretor Geral das Artes, João Paulo Brito, com a Diretora do Gabinete de
Formação e Acesso à Cultura, Emília, e com a Assessora para as Economias
Criativas, Débora Abu-Raya.
Estes
dois encontros com a Tutela da Educação, do Desporto e da Cultura, preparados e
agendados pela Delegada Escolar da Boa Vista, Élida Mosso Corrà, permitiram-nos
aquilatar melhor, por um lado dos limites com que o Projeto Triplo Salto se ia
deparando, em especial no que toca a disponibilidade de monitores disponíveis
para atuar no terreno, mau grado o Ordenamento Jurídico da Educação Pré-Escolar
ter sido objeto da Lei nº 5/97 de 10 de Fevereiro, já com 16 anos, mas, por
outro lado, confirmaram e reforçaram a grande abertura já manifestada em 2007
pela Ministra Vera Duarte para que o Projeto Triplo Salto fosse acarinhado e
apoiado o mais possível como experiência-piloto a ser enxertada no Sistema de
Ensino, não só na Boa Vista, mas com novas réplicas pelas restantes ilhas do
país.
No
início do terceiro trimestre, de regresso das férias da Páscoa, que nesse ano
caiu em 31 de março, já foi possível organizar a primeira das três festas
Triplo Salto programadas ao longo do ano (as outras duas seriam no fecho do ano
letivo e pelo Natal), cuja finalidade visava a imersão das famílias nas
atividades desenvolvidas com as crianças. Com ensaios durante a semana de 8 a
12, a Festa, sábado, dia 13, foi um
sucesso, com os familiares das crianças de 4 anos - a idade das primeiras a estrearem
as aulas do Triplo Salto - a aplaudirem, orgulhosas, as novas performances
dos mais pequenos, em cantares, declamações, dançares, numa palavra, a
desabrocharem em novas formas e níveis de expressão, individualmente e em grupo.
Um espetáculo que voltaria regularmente durante 2013, 2014 e 2015, para gáudio
de todos quantos nele puderam participar e dele beneficiar.
O
Memorando de Entendimento[6]
entre a Associação Triplo Salto e o Ministério da Educação e Desporto, cuja
titular era agora Fernanda Marques, foi celebrado no Palácio do Governo em 23
de outubro de 2014, numa cerimónia de cerca de uma hora em que estiveram
presentes comigo outros membros dos Órgãos Sociais do Triplo Salto (José Luís
Correia e Óscar Ribeiro) e a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo, e, do lado do Ministério, uma Delegação chefiada
por Pedro Moreno Brito, Diretor Geral do Orçamento, Planeamento e Gestão, acompanhado
de Margarida Santos, Diretora Geral de Educação, Domingas Fernandes (DSEPC),
Cláudia Silva, Assessora da Ministra, Dulcelina Tavares (NICE/GMED) e José Luís
Gomes, Diretor Geral do Desporto. A solenidade de que se revestiu o ato certificava
a importância com que no MED estava a ser encarada a iniciativa, prestes a ser
alargada do Pré-Escolar ao Básico, importância essa de resto espelhada nos
termos do Protocolo, desde logo no seu Objeto, descrito na Cláusula Primeira: o
Projecto tem como objcetivo inicial reforçar a qualidade do ensino na Boa
Vista, através de actividades de complemento pedagógico, curriculares e extracurriculares,
pela via de exploração das áreas de expressões (oral, escrita, musical e
dramática), utilização das TIC no ensino, aprendizagem de línguas nacionais e
estrangeiras, e incentivo ao desenvolvimento da cidadania, visando, no limite,
proporcionar às crianças, futuros actores económicos, culturais e políticos, uma
preparação humana excelente. Nas restantes nove cláusulas definem-se as
áreas de cooperação, a estratégia para a ação, as obrigações das partes, a
população beneficiária, as atividades a serem desenvolvidas no âmbito do
Projeto, a vigência do Memorando (2 anos), e as disposições finais da praxe.
Pairava
apenas uma preocupação, e não era coisa pouca, com a sustentabilidade
financeira, perante o natural crescimento da necessidade de recursos, com a
entrada no Projeto da Escola Básica nº 1, que mais que duplicava o número de
alunos, que crescera de 106 no 1º ano (2012/13) para as três centenas, o que adensava
significativamente o esforço didático a despender, ainda mais com o acréscimo
das disciplinas de Filosofia e de História em perspetiva.
Passou
por isso a ser prioridade para o Conselho Diretivo organizar uma campanha de
angariação de novos mecenas, na perspetiva assumida desde início pelo projeto
de que seriam as empresas ligadas ao Turismo que proveriam ao financiamento do
Projeto, como já acontecia com a Solférias, a TUI/Má Bó, a Contacto Virtual, a
Câmara Municipal, entre outras. Criou-se um díptico de apresentação[10];
a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo, preparou um orçamento detalhado para 2015[11];
preparou-se uma ficha de cooperação para empresas e beneméritos individuais[12];
contactaram-se as principais empresas sedeadas na Boa Vista e mesmo fora da
ilha e do país. Porém, a ronda que foi feita pelas empresas locais pouco mais produziu
que boas palavras, e o Projeto foi entrando em stress…
Uma
preocupação que se foi acentuando e emergindo nos vários relatórios exarados
por professores, promotores e Direção Executiva, dos quais sobressai o de uma
reunião informal de emergência no Guimarães Shoping[13],
em que a Diretora Executiva, Filipa Figueiredo e o Diretor Pedagógico, Óscar
Ribeiro, analisaram comigo a situação operacional e institucional do Projeto, tornando-se
patente o contraste entre a modéstia dos recursos disponíveis, particularmente
financeiros, e a vitalidade alcançada nas Escolas por ele abrangidas, graças em
especial ao entusiasmo e à capacidade de trabalho e de empenho da
Professora-Formadora Sónia Quedas, sem prejuízo do labor de quantos nos
esforçávamos por fazer vingar o Projeto, numa fase em que recaía sobre ela não
só a responsabilidade formativa dos monitores locais, a quem incumbiria ir assumindo
a atividade letiva supletiva que o Triplo Salto pretendia adicionar, em
formações prestadas em horário extra, como era ela que, naquela fase, garantia as
aulas em todas as turmas, acrescidas da formação aos monitores locais em
contexto de trabalho, a par das que lecionavam os professores de música e,
naturalmente, os monitores e professores do quadro regular.
Para a história desta fase promissora do Triplo Salto ficou um programa da série Nha Terra Nha Crêtcheu, realizado pela Agência Cabo-Verdiana de Imagens (ACI), para a qual a Andreia Valdigem passara a trabalhar, emitido em março de 2015 na RTP África[14], no qual aparece estampada nos rostos felizes das crianças da Boa Vista a alegria de viver, de conviver e de aprender que campeavam por esses dias nas Escolas da Boa Vista.
Confesso
que me custa descrever o que (não) veio a passar naquelas férias de verão de
2015, em que o Projeto Triplo Salto caiu numa espécie de sono catalético. Os
esforços empreendidos na recolha de apoio financeiro saíram frustrados, a
Diretora Executiva desencorajou-se e desistiu, a aragem das eleições autárquicas
e legislativas em perspetiva no horizonte começara a sobrepor-se nas
prioridades de algumas instituições à bonança que o quotidiano exige para persistir
e prosperar, e o voluntarismo de alguns deixou de bastar para continuar a
enfunar as velas de um navio que demandava manobras mais complexas para navegar,
à bolina de ventos contrariantes…
Ainda
assim, apesar do amargo de boca de quem confiava no sucesso de uma iniciativa
que parecia ter atingido a velocidade de cruzeiro e a viu adornar, após três
anos de porfia na sua montagem e outros três de funcionamento em crescendo, a experiência
única da Associação Triplo Salto não deixou de ficar nas memórias de quem a
viveu, desde promotores a patrocinadores, gestores, professores, monitores a
alunos, entidades públicas e privadas que nela se empenharam, como um marco bem
alto de conforto e confiança na capacidade da sociedade em se organizar para
construir soluções de melhoria para as vidas das pessoas, desde tenra idade.
E
perdura também a esperança de que, como semente lançada em terra boa, das
crianças que naqueles anos puderam experimentar uma janela de oportunidade que
as despertou para caminhos de excelência nas suas vidas, venham a emergir, ao
crescerem, novas iniciativas, pela pegada dos próprios pés, como sugeria o
logótipo, que concretizem os saltos que então começaram a ensaiar, para
patamares mais persistentes e conclusivos do que foi um lampejo luminoso, embora
efémero…
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