20- Uma Nova Aurora


Eram em número de algumas dezenas os caixotins[1]de que se compunha cada gaveta daquele móvel, guardando cada uma delas toda a panóplia de caracteres do abecedário, de cada modelo e de cada corpo, incluindo maiúsculas e minúsculas, itálicos e negritos, sinais gráficos e símbolos vários, em que o Adriano ia mergulhando com agilidade felina o indicador da mão direita, recolhendo letra a letra, sinal a sinal, espaço a espaço, filete a filete, os tipos de chumbo, que retinha com o polegar e logo alinhava criteriosamente no componedor[2] que segurava na esquerda, nele agregando linhas sucessivas e compactas, um olho nos cubículos e outro na estante em que ia lendo pelo papel os textos a serem compostos e impressos, até concluir um bloco de um ou mais parágrafos, que depois atava com barbante para não se desconjuntar, e depositava na matriz, a placa metálica que passaria à impressora, entretanto convenientemente exposta em plano inclinado sobre outra estante, até perfazer uma página do trabalho tipográfico, altura em que eram cuidadosamente retirados os barbantes, justapostos os blocos, compactado o conjunto.

  
Álvaro Leitão da Graça                             Aires Leitão da Graça                                José Leitão da Graça


O sr. Aires, que geria a Minerva desde a morte do pai, Álvaro Leitão da Graça em 1968, imprimia então uma folha de prova, fazia-se a revisão da página, de seguida emendada pelo Adriano, que agora se servia de uma pinça para extrair cada barra errada, substituindo-a, e, uma vez aprovada, a página ser impressa no número de exemplares programado, e a matriz ser então desmantelada e limpos os caracteres, para que outra e outra página pudessem ser compostas e depois impressas com a reutilização dos mesmos.

Entrar na Minerva em 1970, na rua do Corvo, era um ato cultural. Ali se fornecia material escolar, vendiam-se opúsculos de banda desenhada, que os adolescentes iam comprando a 3$50 a peça, para intercalarem nos manuais escolares e irem devorando à socapa quando as aulas eram mais mornas. Ali foram sendo impressos prospetos, jornais e outros documentos que os “olhos” da Imprensa Nacional, do outro lado do Plateau, não podiam deixar passar. Ali se trocavam inconveniências políticas em surdina e com parcimónia, com receio dos ouvidos das paredes. O sr. Aires, que já estivera preso a contas com a PIDE[3], tinha de se moderar, apesar de ainda não ter atingido os 40 anos, na busca de um equilíbrio entre as suas aspirações e convicções políticas e a saúde económica e financeira do negócio que fora chamado pela família a segurar e a fazer prosperar.

Tipografia Minerva

O período abrangendo o final da década de 60 e a primeira metade da década de 70 do século passado foi, como se sabe, um tempo de profundas transformações em Portugal, nessa altura a digerir as guerras coloniais na Guiné, em Angola e em Moçambique, com o MFA[4] a manifestar-se avesso às guerrilhas, em visões que grassavam sub-repticiamente no exército, em particular por obra e graça dos oficiais milicianos, vindos diretamente do meio estudantil, fortemente influenciados pelo Maio 68 em França, e com a transição corporizada de facto por Marcelo Caetano, da longa ditadura de Salazar para a iminente democracia partidária, num crescendo que atingiu o clímax com a desavença entre Salazar e Spínola, que  não aceitou permanecer à frente do Governo da Guiné em 1972, por se manifestar contra o prosseguimento da guerra naquele território, como claramente veio a deixar expresso no seu livro paradigmático “Portugal e o Futuro”, que despoletou de forma irreversível a Revolução dos Cravos em Portugal.

Ao mesmo tempo, na Igreja Católica, e na sequência das profundas transformações na sua mundivisão, refletidas, entre outros documentos orientadores, nas encíclicas sociais de João XXIII e de Paulo VI, e da própria relação, mais direta e participativa, preconizada pelas reformas litúrgicas operadas pelos padres conciliares do Vaticano II, das hierarquias com as comunidades cristãs locais, olhadas com as suas especificidades, cultura, tradições, aspirações e personalidade própria, os ventos de mudança eram fortes e erosivos de uma tradição anquilosada, que remontava ao longínquo Concílio de Trento, reunido em meados do século XVI...

Embora Cabo Verde, no que se refere ao cidadão comum, estivesse bastante longe das convulsões vividas logo ali ao lado, na Guiné, ou em Angola e Moçambique, onde se desenrolavam cenários de guerra de guerrilha, abrindo trincheiras ideológicas e outras, terçando armas e derramando sangue, alísios refrescantes sopraram igualmente no arquipélago da morabeza, e refletiam-se subliminarmente, mesmo que sem grande alarido, na emergência de algumas linhas vermelhas que separavam modos de encarar o futuro da organização da sociedade cabo-verdiana, e iam extremando opiniões e comportamentos entre quem se apegava a um status quo cada vez menos compaginável com essa evolução larvar de mentalidades, e a camada emergente de intelectuais, ativistas ou simplesmente de pessoas desejosas de assumir responsabilidades até ao topo de uma hierarquia democrática e local, até então reservadas quase sempre a personagens enviadas de fora, da confiança do poder de Lisboa.

 

O rico lastro literário e ideológico de Cabo Verde

 Nos anos 60 do século passado Cabo Verde contava já com um acervo literário emergente, que brotava das elites que passavam pelas escolas que foram nascendo aqui e ali, desde a Brava, ainda no segundo quartel do século XIX; à Praia, com o Liceu Nacional, no arranque dos anos 60 de 1800; a S. Nicolau, com o Seminário-Liceu, a partir de 1866; ao Mindelo, a partir de 1917, com o Liceu Infante D. Henrique, depois Gil Eanes; de novo à Praia em meados do século XX com a extensão do Gil Eanes no espaço do Hotel Club; com o Seminário de S. José, lançado na Ponta Temerosa em 1957; e finalmente com o Liceu Adriano Moreira, inaugurado na colina de Monte Agarro em 1962, escolas estas que iam proporcionando sequência à crescente rede de escolas primárias, e por outro lado abrindo caminho aos alunos mais capazes e com posses ou bolsas para prosseguirem estudos universitários no exterior.

Entre as quatro paredes da Minerva, apenas a algumas centenas de metros dos Palácios do Poder, o do Governador, por essa altura António Adriano Faria Lopes dos Santos, o do Governador Civil, Artur Nobre dos Santos, o do Secretário Geral, Tito Lívio Feijó, e o do Presidente da Câmara, José Soares de Brito, rescendia um perfume novo, exalado pelos conteúdos disruptivos dos rascunhos que por ali circulavam, mascarado pelo odor forte das tintas de impressão e das colas de encadernação, mas adrede sublimado pelo aroma a celulose das resmas que se desfolhavam ao ritmo do tiquetaque da engrenagem de impressão, de mistura com a fragrância exótica das fumaças do cachimbo do sr. Aires. Um espaço em que era possível perspetivar uma nova aurora, mesmo que para tal tivéssemos que fazer uso de alguma dose de criatividade, como se entrevíssemos a esperança de um mundo melhor pelos prismas de um caleidoscópio benevolente…

   
        Pedro Cardoso                               Amílcar Cabral                                                    Jorge Barbosa                                 Gabriel Mariano

Com efeito, o sr. Álvaro, e depois o filho Aires, o segundo de D. Ema Ferreira Silva, haviam acompanhado por dentro, na Imprensa Nacional, entre obras publicadas, inéditas e censuradas, as vagas sucessivas de produção literária, desde a dos nativistas (na segunda metade do século XIX e no primeiro terço do século XX), defendendo um leque de posicionamentos filosóficos e políticos que abrangia do pan-africanismo à autonomia das ilhas ou à reivindicação da assimilação plena de direitos com a Metrópole, em sucessivas publicações, começando pelo Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde (1842…), depois, o Jornal Independente (1877-89), o Almanach Luso-Africano (1895-99), a Alvorada (1900-14), A Voz de Cabo Verde (1911-19) ou o Manduco (1923-24), entre dezenas de outras, em artigos, poemas e ensaios assinados por Eugénio Tavares, Pedro Cardoso, José Lopes da Silva, Luís Loff de Vasconcelos, Augusto Vera Cruz, Abílio Monteiro de Macedo ou Juvenal Cabral; aos Claridosos (segundo terço do século XX), que carrearam propostas regionalistas, similares à do estatuto de ilhas adjacentes, em fundo de luso-tropicalismo, objetivos expressos nas revistas Claridade e Certeza e em vários livros, da autoria de Baltazar Lopes da Silva, Manuel Lopes, Jorge Barbosa, António Aurélio Gonçalves e Arnaldo França; numa terceira vaga de produção jornalística e literária, ainda antes da independência, o fio condutor das publicações alinhara-se predominantemente pelo nacionalismo, assente na reafricanização dos espíritos, via luta armada pela independência contra o poder colonial, com a particularidade de esta apenas ter sido possível na Guiné, e por isso assentar num projeto de união entre a Guiné e Cabo Verde. O irmão do sr. Aires, José André, o primeiro filho de Ema, dois anos mais velho que ele, que estudara Direito em Lisboa, onde fora sócio, como Amílcar Cabral, da Casa de Estudantes do Império, era conotado com este movimento literário, a par de Ovídio Martins, de Onésimo da Silveira, de Gabriel Mariano, de Aguinaldo Fonseca, de Manuel Duarte e de vários outros, e era na altura cabeça do partido independentista que ambos haviam fundado, havia já mais de 10 anos, em Rhode Island, a UPICV[5], e por isso José andava a monte pelo Gana, desavindo com o Estado Novo de Lisboa, mas também com Amílcar Cabral, por discordar da união política Guiné-Cabo Verde.

 

Um periódico silenciado

Foi nos interstícios desta trama que emergiu na Praia, no início de 1967, um novo jornal, emanação da paróquia de Nossa Senhora da Graça, pastoreada ao tempo pelo Padre António Figueira Pinto, que na altura recorreu aos préstimos tipográficos da Minerva.

Os objetivos desta publicação, deliberadamente modesta no tamanho (4 páginas de 22,5 X 34,5 cm) nos seus primeiros 6 números, são definidos na edição inaugural (nº 1) pelo seu Diretor, o próprio Padre Figueira, em três pontos: (i)constituir um “elo de ligação entre toda a família paroquial da Praia”; (ii)ser um “repertório das atividades da Paróquia”; (iii)transmitir as “orientações dos Pastores, as notícias mais dignas de menção, como sejam as festas, as solenidades litúrgicas, as estatísticas do ano religioso, as campanhas ou anseios...”

Por sua vez o Bispo D. José Colaço, em mensagem a abrir a publicação, coloca o acento tónico da linha editorial na divulgação do aggiornamento[6] operado pelo Concílio Vaticano II, lançado pelo Papa João XXIII em 1961 e concluído havia 2 anos, no pontificado de Paulo VI, em especial na “larga abertura da Igreja ao mundo e aos seus problemas”, e propugna um “diálogo franco e sincero”... com todos, “independentemente das suas opiniões, mesmo religiosas”... “não só de ordem verbal, mas ainda e sobretudo, de ordem vivencial”.

A acrescentar aos objetivos fundadores desta publicação, a Direção, renovada no final de 1969, juntou alguns outros, a saber: (i)estender progressivamente o âmbito das notícias às outras paróquias de Santiago e mesmo às de toda a Diocese; (ii)dar uma súmula de notícias do mundo, em especial as relacionadas com a Igreja; (iii)abrir a produção de conteúdos a especialistas nas matérias que foram objeto de renovação pelo Concílio Vaticano II; (iv)abrir às principais Igrejas cristãs (Igreja do Nazareno, Igreja Adventista do 7º Dia…) a participação, conferindo à publicação um papel ecuménico; (v)criar um espaço de intervenção jovem, em especial de elementos das Juventudes Católicas; (vi)acompanhar a evolução económica e social de Cabo Verde; (vii) aumentar o tamanho do jornal para 32,5 X 43,5 e passar de 4 para 8 páginas, ampliando substancialmente o espaço de comunicação; (viii)aumentar a tiragem e distribuir o jornal pelas paróquias da ilha de Santiago, e também pelas do Maio e da Boa Vista, ao cuidado dos Padres e Irmãs do Espírito Santo; (ix)vender o jornal na Praia, através da rede de ardinas que já distribuíam “O Arquipélago”; (x)procurar progressivamente chegar à periodicidade mensal; e (xi)financiar o aumento de custos com publicidade.

A Voz Paroquial tornou-se assim ao longo de 1970 um órgão de comunicação com procura crescente, mormente na Praia, e os temas abordados passaram a sensibilizar cada vez mais leitores, ao mesmo tempo que, em sentido inverso, foi gerando incómodo crescente junto de algumas entidades mais conservadoras, que foram dando sinais de indisfarçável nervosismo, com claro destaque para o Secretário Geral do Governo e para o Governador Civil, cujas pressões junto da PIDE e do Bispo para condicionarem os conteúdos se foram tornando cada vez mais intensas, até que o jornal acabou por ser encerrado, após a apreensão, já em 1971, do nº 12, que foi por isso o último...

Escusado será dizer que tais pressões visavam contrariar uma atmosfera recetiva a uma renovação de mentalidades e projetos, naquele período de procura de ar fresco para uma respiração diferente por parte de camadas influentes da população, tornando-se notório o carácter irreversível de se sair fosse como fosse da camisa de forças que se ia fazendo sentir relativamente à liberdade de opinião e de expressão, mas sobretudo de organização própria em regime de autonomia, certamente um dos bens de que a elite cabo-verdiana mais ansiava por essa altura...

 

Os grandes temas d’A Voz Paroquial

A par dos temas que fazem a rotina natural de um órgão de comunicação paroquial, inicialmente enunciados pelo Padre António Figueira, seu fundador e diretor, e tendo em conta o carácter já histórico desta publicação, limitada no tempo mas influente na circunstância, vale a pena olhar para um resumo do que foram as traves mestras da linha editorial d’A Voz Paroquial nos 4 anos da sua breve existência.

Padre António Figueira Pinto

Transparece de uma análise atenta do lançamento deste jornal e sobretudo da regularidade e crescente intensidade da campanha de angariação de fundos para a construção do Centro Paroquial, que o leitmotiv inicial d’A Voz Paroquial foi o de consciencializar a população da Praia da importância desta obra-mor daquele período de reorganização de uma paróquia que crescia a olhos vistos, uma vez que os custos previstos eram avultados para a época. Toda a gente foi mobilizada para contribuir, desde os fiéis em geral, com os seus óbolos modestos, a empresas, repartições, Governo da Província, Governo Central, Diáspora... Acabou por ser uma intervenção junto de Marcelo Caetano que permitiu atingir a meta financeira necessária para concluir a obra. Rezam as crónicas que orçou na época à volta de 3.000 contos, bem acima do custo do primeiro projeto, que fora pensado para a Praça Alexandre de Albuquerque, e para o qual começou por se prever um valor de 900 contos... Quando o jornal foi fechado, em 1971, o Centro Social estava em plena construção, ao nível do 1º andar.

Um segundo tema recorrente nas páginas do jornal foi, como era natural, o da reorganização da Paróquia de Nossa Senhora da Graça e da Diocese de Santiago, seguindo as diretivas emanadas do recém-concluído Concílio Vaticano II, com destaque para a constituição do Conselho Presbiteral da Diocese, de que se publicam os respetivos estatutos, e a nomeação dos primeiros Conselhos Paroquiais. Em plena aplicação no terreno do ‘aggiornamento’ lançado por João XXIII em 1961, desenvolvido pelos padres conciliares do Vaticano II durante 3 anos e lançado para concretização no papado de Paulo VI a partir de dezembro de 1965, a VP reflete a azáfama com que na Igreja de Cabo Verde, à semelhança do que por esse tempo se passava nas comunidades cristãs de todo o mundo, se procedia a reformas, não só litúrgicas, como de mentalidade e de procedimentos os mais diversos. Desde a análise das novas formas de celebração da Eucaristia e dos restantes Sacramentos, à reformulação da catequização e à aplicação no terreno das encíclicas papais e das constituições do Concílio, as páginas da VP recorreram a especialistas, como os PP. Afonso Cunha, Alberto Meireles, Alexandre Barros de Azevedo, Arlindo Amaro, Gil Losa, José Maria de Sousa, Manuel Gonçalves, Veríssimo Teles, Irmã Maria do Carmo, que explicaram para as comunidades católicas de Cabo Verde da altura as profundas transformações em alguns modos de encarar a mensagem evangélica, a sua comunicação e os ritos por que se exprime e atua na Igreja.

Grandes eventos, religiosos, sociais e políticos, como o do Grande Encontro da Juventude, que reuniu de 24 a 28 de abril de 1968 na Cidade da Praia cerca de 4.000 jovens das Juventudes Católicas vindos de todos os recantos da ilha de Santiago, ou a visita peregrina da Imagem de Nossa Senhora de Fátima na mesma altura, ou ainda a chegada a Cabo Verde do Governador António Lopes dos Santos em 1969, ou a visita de Marcelo Caetano, Primeiro Ministro, em fevereiro de 1971, foram amplamente noticiados por este jornal.

Notícias das Paróquias era uma rubrica na qual o jornal informava os leitores dos principais acontecimentos nas comunidades paroquiais das Ilhas de Santiago e Maio, incluindo em matéria de Educação, Saúde, Economia, Sociedade, Governança local... Em alguns casos, como o da Calheta de S. Miguel, o jornal tinha um correspondente, neste caso o professor Velhinho Rodrigues; quando não, era o pároco ou a estrutura organizativa paroquial que enviava  a sua crónica. Não raramente eram veiculadas, nesta rubrica, reivindicações da sociedade local às autoridades civis, quer locais quer da Praia...

Uma das iniciativas mais interessantes para jovens de que a VP dá conta prende-se com os Campos de Férias organizados pela Igreja em período de férias do verão para jovens dos Movimentos Católicos, que tinham lugar em acampamento (Rui Vaz) ou em espaços da Igreja (Santa Catarina, S. Miguel...). Ainda para jovens, a VP abriu páginas do jornal em que foram publicados poemas, crónicas, contos, ideias, e até um romance... Não será por acaso que alguns dos autores, já conscientes das reservas que os seus escritos poderiam suscitar, usavam pseudónimo ou acrónimo (S.T.A., Loly, Vavuka, Amon, Lany, Chico, M.D., M.C.G., G.M., T.A., O.S...). Mário Martins, São Andrade, Lina Silva, Sónia, Mara Lima, Herminaldo Brito, são algumas das assinaturas de jovens colaboradores da Voz Paroquial.

A Voz Paroquial interessava-se igualmente pela atividade governativa, nas vertentes cultural, económica e social, e por isso foi dando conta das principais atuações do Governador, dos Serviços e das autoridades locais. Por outro lado, e seguindo o plano de melhorias do jornal, cada número passou a abordar um dos grandes setores da governação, desde a Educação (nº 9, maio 70) à Emigração (nº 10, julho 70), à Saúde (nº 11, dezembro 70)...

Em diversos artigos a VP focaliza fortemente a dignidade humana. Um primeiro e longo artigo, da autoria do Pe. Viriato Gonçalves, o primeiro saído do Seminário de S. José, que se inicia no nº 9 e se estende pelos seguintes, tira ilações desde a Bíblia à 4ª Constituição do Concílio Vaticano II, a Gaudium et Spes, para afirmar o primado da dignidade humana, a ser respeitada em todas as circunstâncias da ação e da organização humanas. Num artigo intitulado “O Cristão e o Trabalho” (nº 9), por sua vez, o Pe. Manuel Gonçaves, Diretor do Seminário Maior da Torre d’Aguilha (Carcavelos), explica que o trabalho não é um castigo de Deus, mas um meio de aperfeiçoamento e de redenção. O Pe. Arlindo Amaro (nº 10) disserta sobre o “Desenvolvimento e Evangelização”, ancorado também na Gaudium et Spes. No nº 11 é publicada a Declaração dos Direitos da Criança, recentemente emitida pela ONU. E no nº 12 é publicada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, também exarados pela ONU (1948). Também no nº 12, Frei António Fidalgo escreve sobre a “Promoção do Homem e a Justiça”.     

 
     P. Gil Losa                 P. Arlindo Amaro                  P. A. Meireles                      Frei A. Fidalgo                          P. Afonso Cunha
 

O nº 12 iniciou uma onda ecuménica, uma cooperação que prometia desenvolvimentos interessantes entre as Igrejas cristãs estabelecidas em Cabo Verde, designadamente a Igreja do Nazareno (apresentação pelo Rev. António Nobre Leite), a Igreja Adventista do 7º Dia (apresentação pelo Rev. Abílio António Ferreira), e a Igreja Católica (apresentação pelo Padre Augusto Nogueira de Sousa), não fora o jornal ter sido abruptamente barrado.

 
Padre Augusto Nogueira                                          Rev. António Nobre Leite

            A Voz Paroquial mantinha ainda uma rubrica de Notícias pelo Mundo com a qual visou conferir à publicação uma abrangência mais universalista da atualidade. Nesta secção, que foi mudando de nome (“Seleção de Notícias”, “De Todo o Mundo”, “Panorama”...), pretendeu-se acentuar a preocupação com o que se passava com as pessoas por todo o mundo, sobretudo com notícias ligadas à ação social e cultural da Igreja.

Como é próprio da poesia, foi através dela que a VP transmitiu, pela pena de diversos autores, algumas das preocupações mais candentes que animavam o corpo redatorial desta efémera mas influente publicação.

Já em matéria de entrevistas, a mais notória foi feita pelo jornal em dezembro de 1969, ao saudoso Bana, naquela altura o expoente máximo da música cabo-verdiana.

     NOTA: Tal como ocorreu com muitos milhares de outros documentos, sacados das Repartições Públicas e Ministérios, das Escolas, do Rádio Clube de Cabo Verde, entre outros, não se sabe ainda por iniciativa ou às ordens de quem, os arquivos deste jornal não mais foram encontrados, nem na Paróquia de Nossa Senhora da Graça, nem na Diocese. Testemunhas oculares deram conta de camiões carregados de História despejados e queimados em 1974 e 1975 em fogueiras no Palmarejo e na Cidadela, espaços então desertos, alegadamente a coberto de olhares indiscretos. Não fora alguém ter guardado a sua coleção pessoal até anos recentes, e a memória d’A Voz Paroquial ter-se-ia desfeito em fumo, à semelhança de muita da história dos vivos anos 60/70 do século passado nestes dez grãozinhos de terra… Mas, como acreditam os sábios, as cinzas das memórias são adubo para o renascimento de fénix imoladas…

Atualmente, os 12 números físicos, aparentemente únicos do jornal encontram-se no Arquivo da Diocese de Santiago, e uma digitalização integral está disponível para quem a queira consultar, em

(http://www.caboverde-info.com/Construindo/A-Voz-Paroquial)



[1] Alvéolos de arrumação de caracteres tipográficos

[2] Ferramenta de composição tipográfica semelhante a chave inglesa

[3] Polícia Internacional de Defesa do Estado

[4] Movimento das Forças Armadas

[5] União dos Povos das Ilhas de Cabo Verde

[6] Palavra italiana icónica do Concílio Vaticano II, significando atualização.


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