26 - Cabo Verde descobre-se como Destino Turístico
Nos anos 80 do século XX Cabo Verde praticamente não recebia turistas. A situação mudou 180 graus em duas décadas, podendo dizer-se sem exagerar que se tornou numa das novidades procuradas pelos turistas europeus a partir do dealbar do século XXI.
Quando em 1989 dei uma primeira volta a todas as ilhas
habitadas do arquipélago para inventariar as condições no terreno com vista à
montagem de uma operação turística abrangente, o cenário na altura era de um
potencial promissor, ancorado em condições naturais atrativas e contrastantes,
por vezes roçando a excelência, em particular quando o mar faz parte da
equação, reforçadas pelo modo desempoeirado e acolhedor das gentes das ilhas,
cognominado de “morabeza” (amorabilidade), por detrás da qual se
adivinhava a presença burilada de um História que se sabia rica, mas quase ainda
por escrever. Porém, as infraestruturas hoteleiras eram incipientes, e em
algumas ilhas a oferta em alojamento, restauração e serviços era quase
inexistente.
Durante um bom par de anos a situação evoluiu lentamente, com
a promoção turística do país por conta da companhia aérea de bandeira, de
alguns operadores e dos poucos hotéis em funcionamento à época, transparecendo
as primeiras medidas de promoção oficial do país como destino turístico com o
INATUR (Instituto Nacional de Turismo), primeiro, depois o PROMEX (Centro de
Promoção Turística, do Investimento e das Exportações), mais recentemente com
a CI (Cabo Verde Investimentos), e bem depois com o IT (Instituto de Turismo), que
seria oficializado bem mais tarde pelo Decreto-Lei 37/2019, finalmente com
competências virtualmente mais alargadas e efetivas na modulação de um grande
programa de implantação de Cabo Verde nos mercados como destino turístico de
relevo.
Do ponto de vista institucional, e fazendo jus à referida
proclamação do Turismo como a indústria-locomotiva da economia de Cabo Verde,
destaca-se nesse período como marco determinante para o futuro desta atividade
transversal em Cabo Verde o Plano Estratégico para o Desenvolvimento do Turismo,
elaborado pelo MECC (Ministério da Economia, Crescimento e Competitividade),
tutelado por Fátima Fialho, e aprovado em Dezembro de 2009 pelo Governo da VII
Legislatura.
A importância de projetar
Não é por acaso que Cabo Verde se foi impondo com pés de lã
aos mercados de procura turística, em especial os europeus, que na altura eram
também os mais exigentes.
Um olhar atento ao Plano Estratégico para o Desenvolvimento
do Turismo 2010-2013 permite detetar uma visão muito cirúrgica e acertada para
um país em estado de desenvolvimento médio como é Cabo Verde: “queremos ter
um turismo sustentável e de alto valor acrescentado,
que contribua efetivamente para melhorar a qualidade de vida dos
cabo-verdianos, sem pôr em risco os recursos para a sobrevivência das gerações
futuras”.
De seguida, o Plano Estratégico, que foi elaborado por consultores
especializados e concluído por técnicos do Ministério que tutelava o Turismo na
altura, o Ministério da Economia, apoiados em planos metodológicos desenvolvidos
pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, no Relatório Thornton (Cape
Verde PMI Grant Thornton Tourism), em conteúdos elaborados para diversos Encontros
de Turismo e com a participação de diversos players
do turismo cabo-verdiano à época, com destaque para o CNT (Conselho Nacional de
Turismo), a UNOTUR (União Nacional dos Operadores de Turismo) e da PROMITUR
(Associação Cabo-Verdiana de Promotores Imobiliários e Turísticos), traduz essa
visão em coordenadas e eixos de intervenção que podem ser vistos como a missão
da indústria turística em Cabo Verde durante o triénio em causa, a saber:
a)
Envolvimento
das comunidades locais nos processos de produção do turismo, por forma a
torná-las beneficiárias das mais-valias geradas, garantindo sustentabilidade da indústria
por via do controlo do seu impacto sobre a economia, o meio ambiente, os
recursos naturais, os recursos socioculturais e a inserção das populações em
todo o processo;
b)
Maximizar
a democratização do turismo,
aumentando a oferta de emprego, particularmente com o reforço das PMEs, gerando
assim o aumento da renda das famílias e a sua inclusão social;
c)
Fomentar
a interiorização do turismo,
aumentando a responsabilização das empresas e de todos os players do setor na criação de emprego e de valor e riqueza
acrescentados, pelo aumento da produção de bens e serviços, diminuição das
importações, reforço de receitas para o país, incremento de benefícios para as
populações.
d)
Aumento
da competitividade, através
de melhorias da qualidade na prestação de serviços, diminuição dos custos de
produção, formação curricular e profissional;
e)
Melhorar a promoção de Cabo Verde como destino turístico diversificado,
de qualidade e de elevado valor acrescentado.
Os dados de desempenho do setor do turismo relativos a 2010
evidenciavam uma inversão da tendência de retrocesso de 2009, ano em que se
registara uma ligeira quebra nas entradas de turistas, em linha com o clima
internacional de crise económico-financeira de então, que no entanto não se
refletiu nas dormidas, em progressão continuada, graças aos turistas
britânicos, que vieram utilizar os alojamentos em períodos mais longos que os
dos mercados até aí tradicionais de Cabo Verde. Apesar de a execução ter ficado
muito aquém das expetativas criadas, o simples facto de haver um plano sério
criou uma estabilidade de progressão da indústria acima dos 6%, que se manteria
por toda uma década, de 2009 a 2019.
O Plano traçava 3 cenários possíveis para o quadriénio,
alvitrando crescimentos de 5, 10 ou 15% conforme o comportamento de um conjunto
de variáveis, externas (ritmo de crescimento da economia mundial, eventual
ocorrência de pandemias, evolução das classes médias nos países emergentes,
variações nos preços dos transportes aéreos) e internas (qualificação de
recursos humanos, grau de interligação dos transportes interilhas e intra-ilhas,
variação dos custos dos fatores de produção, estabilidade social e política,
preservação dos recursos turísticos, consolidação da gestão do turismo
institucional…).
Tendo o clima económico externo sido favorável a Cabo Verde em
2011, ao mesmo tempo que internamente, e por feliz coincidência, a oferta se
ampliou significativamente, quer na vertente da acessibilidade, quer na do alojamento,
geraram-se perspetivas mais otimistas que prometiam vir a premiar o arrojo e
clarividência de quem instalou capacidade, a começar pelos governos central e
locais, estendendo-se as perspetivas francamente positivas a hoteleiros,
transportadoras e outros empresários que vinham incrementando e qualificando a
oferta, tudo levando a crer que em 2013 os objetivos traçados para o triénio seriam
atingidos ou até superados, desde a fasquia do meio milhão de turistas ao
aumento do emprego direto em 60%, para os 6.600 postos de trabalho, ao aumento
da participação do turismo no PIB (na altura de cerca de 21%), até à mais nobre
ambição de fazer as populações beneficiarem nitidamente das mais-valias geradas
pelo setor.
Evolução dos hóspedes e das dormidas ano a ano, 2008/2013
|
2008 |
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
2013 |
Hóspedes |
333.354 |
330.319 |
381.831 |
475.294 |
533.877 |
552.144 |
Dormidas |
1.827.196 |
2.021.752 |
2.342.282 |
2.827.562 |
3.334.275 |
3.436.111 |
Fonte: INE |
|











Valendo-se da metodologia estabelecida pela Fundação Getúlio
Vargas, que dimensionou a sua análise em 6 patamares (acesso, infraestrutura
geral, infraestrutura turística, infraestrutura institucional, sustentabilidade,
e monitorização/avaliação), o Plano Estratégico 2010-2013, após desenhar a sua
visão e missão, estabelecer os princípios norteadores para o turismo, traçar as
linhas mestras de intervenção e programar mecanismos de verificação de
resultados, desbobinou em 17 programas específicos as inúmeras ações a serem
efetivadas pelo conjunto dos atores que integram a indústria do turismo, desde
os poderes às empresas, às ONGs, às escolas, à sociedade civil em geral.
Eis, em resumo, os caminhos preconizados para levar “a água
ao moinho” dos objetivos estabelecidos pelo Plano Estratégico:
a)
Dimensão ACESSOS
Programa 1 – Ligar o mundo às ilhas (modernizar, expandir
aeroportos, portos, rotas, regime jurídico…).
Programa 2 – Ligar as ilhas entre si (modernizar, expandir e
integrar interfaces de transporte interilhas, estimular a concorrência e a
diversificação nas ligações, agilizar as formalidades e operações de utilização
de transportes…).
Programa 3 – Viajar nas ilhas (modernizar, expandir, identificar
redes viárias e rotas turísticas, formação profissional aos operadores de
serviços de turismo, certificação e controle de empresas, meios de transporte e
unidades turísticas, regulamentação das profissões do turismo).
Programa 4 – Mais saúde também para quem nos visita (adequação
dos Planos Nacionais de Saúde às necessidades específicas do turismo, promoção
de entrada de operadores privados na saúde…)
Programa 5 – Mais segurança também para quem nos visita (adequação
dos Planos Nacionais de Segurança às exigências específicas do turismo,
informação sobre segurança preventiva, fiscalização e controle da venda
ambulante…).
Programa 6 – Água, Energia e Saneamento para o Desenvolvimento
Turístico (reforço de capacidade de produção e distribuição, promoção da
entrada de produtores independentes, energias renováveis e reutilização de
águas…).
Programa 7 – Melhor suporte de comunicações e produtos financeiros
para o desenvolvimento turístico (redução de custos pelo incentivo da
concorrência, incentivo à internet, pagamentos eletrónicos, acesso ao
crédito…).
b)
Dimensão INFRA-ESTRUTURA TURÍSTICA
Programa 8 – Receber os nossos visitantes com conforto e qualidade
(virado para o incremento e qualificação das unidades turísticas, através de
fiscalização, incentivos, formação de quadros…).
Programa 9 – Promover o destino Cabo Verde com eficiência
(identificar, sistematizar, classificar os recursos turísticos e promovê-los
através de um plano de marketing completo e eficaz; reforço da estrutura
institucional de promoção).
Programa 10 – Política fiscal para um turismo sustentável (definir
mecanismos de fiscalização e tributação,
estudar a introdução de uma taxa de turismo…).
c)
Dimensão INFRA-ESTRUTURA INSTITUCIONAL
Programa 11 – Melhor gestão do turismo nacional (reforço da
estrutura institucional, otimização de recursos, mecanismos de articulação
entre stakeholders…).
Programa 12 – Melhor legislação para o desenvolvimento do turismo
(modernização/simplificação da estrutura jurídico-legal, adequação da
legislação, mecanismos de fiscalização e acompanhamento…).
d)
Dimensão SUSTENTABILIDADE
Programa 13 – Mais ambiente, para mais turismo (adequação dos
Planos Nacionais para o ambiente à sustentabilidade do turismo, incentivo às
tecnologias amigas do ambiente, promoção e gestão de áreas protegidas, formação
e sensibilização das comunidades, coordenação entre entidades…)
Programa 14 – Mais cultura, para mais turismo (integração da
cultura enquanto recurso turístico no Plano Estratégico para a Cultura,
identificação, inventariação, promoção, certificação de produtos culturais…).
Programa 15 – Para um turismo com rosto social (criação, com
receitas do turismo, de um Fundo de Sustentabilidade Social do Turismo, para
minimizar os efeitos colaterais nocivos da procura turística, fomentar o
empreendedorismo, promover contactos turistas/populações, fomentar o turismo em
espaço rural, recuperação social e ambiental, geração de emprego…).
e)
Dimensão MONITORIZAÇÃO
Programa 16 – Avaliar para melhorar (criação de mecanismos de
monitorização e avaliação do desenvolvimento turístico nas suas múltiplas
facetas, retratadas nestes 17 programas, criação de um Sistema de Informações
Estatísticas do Turismo, de uma Conta Satélite do Turismo, do Observatório do
Turismo de Cabo Verde).
Programa 17 – Conhecer o turista para melhor o servir (criação de
mecanismos de avaliação de perceção do destino pelos turistas, estudos de
mercado nos países emissores, avaliação do grau de satisfação dos visitantes…).
Como se tiram
programas do papel para o terreno
Aspeto particularmente atraente neste Plano Estratégico para
o Desenvolvimento do Turismo em Cabo Verde é o modo como o documento fecha, no
seu ponto 6 (Implementação do Plano Estratégico), o último antes das
considerações finais.
Nele são convocados e responsabilizados todos os atores dos
diversos setores implicados nesta indústria abrangente e transversal, e a todos
são distribuídas tarefas concretas:
a)
Execução: cada um dos 17 programas é colocado
sob a alçada de um Ministério responsável (por vezes agrega-se um corresponsável),
que é identificado como “dono” do mesmo, e como tal intimado a orçamentá-lo, dotá-lo
dos recursos necessários, cronogramá-lo, constituir equipas de execução, às
quais deve curar de transmitir a visão, princípios, objetivos e eixos de
intervenção do Programa…
b)
A
coordenação é graduada em 3 níveis:
a Direção Geral de Turismo, que se subdivide em duas equipas (Serviços
de Políticas, Estudos e Mercados e Serviço de Acompanhamento de Atividades Turísticas)
acompanha a execução dos programas pelas entidades responsáveis, recolhe e
sistematiza a informação relacionada com a implementação dos programas;
enquanto que cabe ao titular da pasta do Turismo coordenar com os
restantes ministérios a execução integrada dos programas, e sobe ao mais alto
nível do governo, o Conselho de Ministros, a quem cabe a responsabilidade
de coordenação final, avaliando periodicamente a implantação de todo o Plano
Estratégico de Desenvolvimento do Turismo.
c)
Não
são descurados no plano os recursos
necessários à concretização do Plano Estratégico (políticos, institucionais,
humanos e financeiros). Quanto às necessidades políticas do Plano, elas
visam implicar nele todos os sectores da sociedade, de forma a criar um
“compromisso amplo e generalizado” nos objetivos a atingir, que se resumem na
elevação da “qualidade e competitividade do destino Cabo Verde”. Institucionalmente,
é criado um novo arcabouço organizacional para a gestão do turismo, à sombra do
respetivo ministério. Quer a nível dos ministérios “donos” dos 17 programas
delineados, que sobretudo na vertente institucional, que nasce do quase nada, a
necessidade de recursos humanos é notória, para se dar resposta às
múltiplas necessidades de análise, programação, redação, submissão de hipóteses
de solução, implicadas em cada um dos 17 programas do Plano. No que toca aos
recursos financeiros, o Plano não os quantifica, mas cita o Estado, o
sector privado e o próprio turista para, cada um a seu modo, contribuírem para
que os programas tenham a necessária dotação.
d)
Um
cronograma de execução retira o
acaso de entre os métodos de atuação do governo responsável pela feitura deste
Plano Estratégico, atribuindo tempos certos à conclusão das ações programadas…
e)
Finalmente,
ao Ministério do Turismo, com apoio do INE e do Banco Central, é atribuída a
responsabilidade de seguir e avaliar
os resultados da execução de toda esta trama de programas estratégicos para o
Turismo de Cabo Verde, com um caderno de encargos preciso em 8 rubricas, a cada
uma das quais vêm associadas as entidades encarregadas da elaboração dos respetivos
elementos de seguimento e avaliação.
f)
Apenas
uma nota aparentemente negativa, quando a DGT, mentora e programadora de todo o
processo de marketing do destino
turístico, vê a ação final de promoção ser entregue a um departamento (CI) que
terá certamente as maiores dificuldades em interiorizar as necessidades e o
espírito de tão exigente tarefa, ao estar forçosamente alheio à sua génese e à
sua construção. O próprio Plano Estratégico deteta esta incongruência, parecendo,
paradoxalmente, não a retificar.
Em modo de conclusão, dir-se-á que nenhum Plano Estratégico
alcança por inteiro os objetivos que se propõe, tanto mais que a realidade, com
todas as suas variantes, imprevistos e constrangimentos, cerceia sempre, em
maior ou menor grau, os sonhos de quem projeta. Mas é de elementar justiça,
quando lançamos um olhar abrangente e penetrante sobre a evolução gradual da
“indústria da paz” em Cabo Verde, desde as suas raízes mais profundas às
ramagens, às flores e aos frutos de que tem vindo a dotar-se, reconhecer que o
Plano Estratégico 2010-2013 para o Turismo representou o primeiro marco
significativo na tarefa de programar, sistematizar e concretizar a
transformação das belas potencialidades que Cabo Verde detém para a indústria
do Turismo em oferta turística “sustentável e de alto valor acrescentado,
que contribua efetivamente para melhorar a qualidade de vida dos
cabo-verdianos, sem pôr em risco os recursos para a sobrevivência das gerações
futuras”.
(atualização de análise publicada no Presstur em 14 de
março de 2011)
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