27 - Clube Vela
Quem tem boa memória sabe que nos
anos 90 de 900 os atores políticos e económicos de Cabo Verde operaram uma
mudança, lenta mas radical, na perspetiva em que o Turismo era valorizado, até
então encarado como uma espécie de vento contrário aos desígnios morais,
económicos e políticos da nação.
Mas em finais do século passado, graças
à mudança de políticas ensaiada a partir de 1992, a “indústria da Paz” era já,
no mínimo, aceite como um mal necessário, em face da carência de recursos
naturais que pudessem por si só alentar a Economia e potenciar o enriquecimento
da sociedade e do país.
Os fluxos turísticos foram-se assim
fortalecendo em Cabo Verde ao longo dessa década, particularmente a partir de
Portugal e depois da Itália, até que, no ano da graça de dois mil e quatro
ocorreram mudanças profundas, despoletadas inopinadamente por um percalço de
análise de um dos protagonistas na área dos transportes.
O episódio rocambolesco da recusa
da Companhia Aérea de Bandeira de Cabo Verde em aceder na primavera de 2003 a
fretar um voo semanal para o verão desse ano entre Lisboa e Espargos ao operador que
já então mais turistas veiculava para o Arquipélago, a Soltrópico, levou este a
optar por uma via alternativa que satisfizesse a sua necessidade emergente de transporte
aéreo dedicado ao turismo, para o que recorreu à Air Luxor, então sua parceira
em Portugal para as operações do Egito e do Brasil, a qual se encarregou de promover
discretamente negociações entre as Aeronáuticas Civis de Portugal e de Cabo
Verde visando a abertura dos respetivos corredores aéreos, que daria ensejo ao
operador de surpreender tanto os TACV como a TAP com o início de voos charter
logo em abril de 2004, a seguir à assinatura do acordo na Praia, pelos
Presidentes Pedro Pires e Jorge Sampaio, em 31 de março desse ano.
Como consequência (infelizmente negativa
para a Companhia de Bandeira), em vez de alinhar na pole position do
transporte aéreo de turistas com origem em Portugal e na Europa, como sugeria o
historial de cooperação que já levava mais de dez anos entre as duas empresas, a
recusa dos TACV escancarou as portas à sua concorrência internacional,
comprometendo seriamente a sustentabilidade do seu próprio futuro no contexto
de liberalização que se tornava patente.
E como um erro tende a propiciar
outros erros, os TACV entenderam retaliar de seguida, e cancelaram os acordos
de circuitos internos vigentes havia muito com o operador, que representavam já,
a essa data, 36% de todo o seu volume de negócios para Cabo Verde. Um
verdadeiro tiro no pé não só da Companhia mas, infelizmente, de uma fatia
importante do próximo futuro económico do próprio país, pois que desacelerou e
retardou boa parte do turismo que se dirigia às outras ilhas, para além do Sal.
Foi deste boicote que nasceu, outrossim, o lançamento da Halcyon Air, como
solução alternativa à necessária radiação do turismo a partir do Sal, e mais
tarde também a partir da Boa Vista para as outras ilhas, perante a recusa dos
TACV de voos de ligação interilhas em condições aceitáveis, e que emergiu
também um período fulgurante de atividade da Cabo Verde Express, uma Companhia
de táxis aéreos, mais uma vez em prejuízo incompreensivelmente autopunitivo da
Companhia de Bandeira, cuja reação, assente na sua posição até aí dominante, forte
do respaldo financeiro do erário público, seria de novo perseguir a
concorrência até à exaustão, praticando dumping, tanto nos voos
nacionais como nos internacionais… Seguiram-se, como é sabido, depois da Air
Luxor, a TUI, a SATA, a Neos, a Transavia, a Binter e várias outras companhias
aéreas, e foi mesmo a TAP que acabou por ocupar o espaço deixado progressivamente
vago nas ligações regulares com a Europa, por incapacidade de resposta da sua titular
mais natural, tanto no hub de Lisboa como até nos aeroportos nacionais…
Eis um padrão típico de situações
que surgem à partida como problemas aparentemente letais mas que de seguida podem redundar em
oportunidades. Com efeito, esse ano do boicote de voos contratados para Cabo
Verde, em que também a TAP, em duopólio com os TACV, se apressara a
acompanhá-la, num claro conluio punitivo pelo recurso do operador em causa a
terceiros, parecendo esquecerem que a isso o haviam constrangido, premiou, ao
invés, a ousada clarividência e a postura dinâmica da Soltrópico com um
crescimento de 52% na sua operação para este destino. Felizmente, quer os TACV
quer a TAP, reconhecendo o erro de cálculo, acabaram por ter o bom senso de abrirem
em 2005 ao operador, embora só passado mais de um ano, as condições que lhe
haviam sonegado em 2004.
Paradoxalmente ou não, como
semente que se lança à terra depois de estar esta lavrada e limpa, foi neste
contexto de clarificação, pacificação e concórdia reconquistadas que germinaram
diversas iniciativas a marcar fortemente a evolução do Turismo no arquipélago
nos anos subsequentes, algumas delas nascidas, acarinhadas e medradas na sala
de reuniões do operador da Quinta do Lambert, sob os auspícios de um grupo de
reflexão informal de investidores, que se intitulou Clube Vela, “de vela que
permanece acesa, de vela que gera corrente nos motores, de vela que move os
barcos, de velar”, como reza a respetiva ata nº 2, de 3 de março de 2005, no qual
nos cooptámos, Francisco Manso, cineasta focado em Cabo Verde (“O Testamento do
Senhor Nepomuceno”, entre outras obras), Agostinho Abade, empresário de
hotelaria (Oásis Atlântico), José Simões Coelho, consultor da Air Luxor (a
Companhia que operou para a Soltrópico os primeiros charters para Cabo Verde), Gualberto
do Rosário, ex-PM e empresário (GDP) e eu próprio, e que sucessivamente se foi enriquecendo de novos membros, caso de Linda
Pereira (CPL Events), João Manuel Chantre (Câmara de Comércio, Indústria e
Turismo Portugal Cabo Verde), Carlos Almeida (Sacramento Campos – Santiago Golf
Resort), Rui Machado (Associação Cabo-Verdiana e Quadros Cabo-Verdianos da
Diáspora), e até, na parte final, do Embaixador Arnaldo Andrade como convidado
especial.
Face quer aos objetivos delineados quer à própria composição da tertúlia que se formara, a referência óbvia do Clube Vela em Cabo Verde era a Unotur (União dos Operadores Turísticos de Cabo Verde), a primeira Associação privada de operadores da área do Turismo, criada em setembro de 2002, com quem o grupo estabeleceu com naturalidade uma ligação umbilical, tanto mais que de uma maneira ou de outra todos estávamos ligados à sua fundação, eu como membro da respetiva Mesa da Assembleia Geral, e todos nós genuinamente interessados no despontar do associativismo empresarial nascente que a Unotur corporizava.
As principais parcerias do Clube Vela foram também fáceis de identificar, desde logo a correspondente institucional, a Unotur, a CVI (Cabo Verde Investimentos, sucedânea do Inatur e da PROMEX), a CTP (Confederação do Turismo Português), a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), a OMT (Organização Mundial do Turismo), além de todo o trade do Turismo de Cabo Verde, do Governo, das Câmaras Municipais e restante Administração Pública, da Banca, das Seguradoras, da Academia...
Também os primeiros objetivos idealizados na tertúlia surgiram com a naturalidade e o entusiasmo das primeiras reflexões conjuntas ao longo desse ano estamínico de 2004. Um deles era a organização de festivais de cinema bienais, o primeiro desde logo projetado para a celebração dos 30 anos da independência, em julho de 2005, uma ideia de Francisco Manso na esteira do Primeiro Festival de Cinema que ele organizara, cinco anos atrás, em 1999, com o patrocínio do Ministério do Turismo da Praia, da União Europeia, do Instituto Camões, da Fundação Calouste Gulbenkian e da RTP, no âmbito do qual foram exibidos 120 filmes e documentários nas salas do Mindelo, da Praia, de Espargos e de Santa Maria, uma vasta iniciativa cujos custos orçaram em cinquenta e seis mil contos. Outro projeto foi o da realização de uma telenovela que servisse para promover Cabo Verde, a sua história e a sua cultura, de que Francisco Manso tinha já uma ideia, a ser desenvolvida pelo argumentista da RTP Manuel Arouca, com o designativo de “Sabor a Sal”; várias reuniões foram promovidas com quadros dirigentes da RTP, uma delas com Nuno Santos, nessa altura à frente da programação da Estação, tendo-se chegado a algumas baias de acordo, como o número de episódios (80) e um montante a ser pago por episódio (até 25.000 euros, um valor considerado insuficiente, mas suscetível de ser complementado por uma segunda programação). Em terceiro lugar, foi lançado e discutido um projeto de montagem de uma Escola de Hotelaria e Turismo, na ilha do Sal e/ou na Praia, que poderia revestir o modelo de hotel-escola. Uma quarta ideia, muito discutida e trabalhada, tanto mais que se coadunava com competências específicas de Gualberto do Rosário, que a tinha já elaborda, foi a de uma Fundação, de que chegou a ser registado o nome de FUTURIS, congeminada como esteio da Unotur, de que deveria tornar-se o nervo financeiro, veiculando recursos para a estruturação da geometria da indústria do Turismo em Cabo Verde, sem prejuízo de outras finalidades concomitantes, tais como “promover o desenvolvimento de recursos humanos na óptica da actividade turística, podendo designadamente manter ou apoiar escolas de formação turística, apoiar organizações que tenham como finalidade a promoção da actividade turística e realizar, promover ou patrocinar debates, conferências, seminários, colóquios ou outras formas de reflexão que tenham como finalidade o desenvolvimento turístico de Cabo Verde”, como pode ler-se nos respetivos estatutos, de vinte e três artigos em quatro capítulos, redigidos no início de 2005.
Se alguns dos projetos cogitados ou partilhados e discutidos no Clube Vela acabaram por não chegar formalmente ao terreno, a abordagem empenhada e, sem falsa modéstia, conhecedora, dado que todos os participantes nestes brain stormings estávamos profundamente ligados ao dia-a-dia da atividade do Turismo em Cabo Verde, fez com que boa parte se convertesse, ao longo daqueles seis anos ou mais tarde, em matéria de facto, fosse diretamente, por ação das pessoas em presença, fosse indiretamente, por influência junto das empresas e das organizações de que fazíamos parte, ou das pessoas com quem trabalhávamos.
Desde logo, se o “Sabor a Sal” não chegou a ir por diante, Francisco
Manso desenvolveu um objetivo alternativo que resultou no filme “A Ilha dos
Escravos”, baseado no romance O Escravo do brasileiro José Evaristo de
Almeida, no que pode ser visto como uma aproximação histórico-sociológica a Cabo Verde, estreado em maio
de 2008, e veio a realizar uma terceira longa metragem também ela focada em
Cabo Verde, dez anos mais tarde, em 2018, “Os Dois Irmãos”, esta de novo com
base num romance de Germano Almeida, como fora o Testamento do Senhor Nepomuceno
da Silva Araújo. Gualberto do Rosário, por seu turno, veio a ser eleito para a
Presidência da UNOTUR, que transformou profundamente, convertendo-a numa das três
Câmaras de Comércio de Cabo Verde, a única de âmbito nacional, a par da de
Barlavento e da de Sotavento. A ideia da Escola de Hotelaria e Turismo faria o
seu caminho, até abrir na Praia em julho de 2011, com instalações próprias, com
forte apoio do Luxemburgo, gerida na fase de construção e instalação por um
especialista oriundo da congénere do Estoril, Carlos Lima. Agostinho Abade, que
de entre todos nós era quem mais investimento financeiro fizera já em Cabo
Verde, mormente na indústria hoteleira, prosseguiu na senda de um forte empenho
no desenvolvimento do país, quer com o lançamento de novas unidades hoteleiras,
com destaque para um dos primeiros cinco estrelas do país, o Salinas, em Santa
Maria, quer com apoios de cariz cultural, social e até político. Acácio Seabra,
que tinha comprado o Hotel Xaguate, na ilha do Fogo, restaurou-o e ampliou-o,
elevando-o `categoria de quatro estrelas, um upgrade importante na oferta de
alojamento na ilha, e tornou-se ainda sócio da Qualitur, agência de viagens com
a maior oferta de serviços e consequente capacidade de promoção deste destino e
de atração de clientela, sobretudo francesa, à Ilha do Vulcão. Linda Pereira
tornou-se uma promotora influente de Cabo Verde, empenhada e profundamente conhecedora, em
particular no que toca a atrair e a gerir grandes eventos; teve um papel fulcral
na organização dos Encontros Internacionais de Turismo, e mais tarde nas Mesas
Redondas temáticas que serviram de base à elaboração das Grandes Opções do Plano
de 2019 e aos Master Plans por ilha; pugnou ainda para que fossem criados Clubes
de Embaixadores, no arquipélago e na Diáspora, e nunca desistiu deste intento,
de grande incidência na qualificação da oferta de produto e de serviços e na
atração de investimentos para o país. Rui Machado, um dos responsáveis pela
criação da Organização de Quadros de Cabo Verde na Diáspora, já com três
congressos organizados, o primeiro em Lisboa, de 29 de junho a 1 de julho de
1994, nas então novíssimas instalações da Caixa Geral de Depósitos, onde
trabalhava Telo Barbosa, também ele um dos organizadores, o terceiro na Praia,
na Assembleia Nacional, e veio a organizar ainda o quarto e o quinto, este
último no Mindelo, de 18 a 21 de abril de 2011. De todos estes congressos
saíram conclusões e recomendações à atenção das forças vivas do país, que foram
publicadas e divulgadas, com a finalidade de se chamar a atenção dos
responsáveis para o subaproveitamento do potencial de intervenção das
comunidades diasporizadas no desenvolvimento do país. João Manuel Chantre
organizou diversos eventos de promoção da economia cabo-verdiana, em Portugal e
em Cabo Verde, e promoveu diversas missões empresariais de investidores ao arquipélago;
veio a ser, em 2019, nomeado pelo Ministro do Turismo José Gonçalves para
primeiro Presidente do Instituto de Turismo. Eu próprio me dediquei a fundo à
criação de novas empresas do ramo da formatação e distribuição de produto
turístico, casos da Qualitur, no Fogo, e da Atlantur, em S. Vicente e Santo
Antão, que vieram complementar o trabalho que a Morabitur, que eu lançara na Praia
com Alfredo Rodrigues, da Praiatur, em 1996, já desenvolvia no Sal e na Boa Vista, e lancei
o primeiro operador grossista de Cabo Verde, Terra Sab, cujo objetivo era o de
fomentar a identificação, formatação, promoção e distribuição de nova oferta
turística a disponibilizar às agências. E publiquei, tanto para a Unotur como
para a Soltrópico, durante vários anos, brochuras promocionais em várias
línguas, que constituíram o prato forte de informação aos visitantes do stand
de Cabo Verde nas Feiras de Turismo, assim como dossiês para informação dos
turistas nos hotéis.
Trinta e três são as atas que ficaram de outras tantas reuniões do Clube Vela, num registo detalhado dos numerosos assuntos que atraíram durante esses anos a atenção da tertúlia. Desde os Relatórios do Banco de Cabo Verde, a publicações do jornal A Semana, a Estatísticas emitidas regularmente pelo INE e, é claro, às vivências diárias dos próprios membros, entre outras matérias, o manancial de ideias, sugestões, recomendações, críticas, resoluções e ações trazido à análise fluía nestas reuniões informais e amistosas, em geral rematadas com almoço, sem outra pretensão que não fosse a de permitir a cada participante entender com proficiência a realidade e as melhores perspetivas do Turismo para Cabo Verde, e daí tirar ilações para uma melhor atuação, cada qual na sua esfera de influência ou em recomendações e intervenções conjuntas.
Mas projetos houve que merecem particular destaque, pois que germinaram e floresceram graças ao húmus que emergiu com particular pujança da conjugação de visões, competências e voluntarismo deste grupo. Respondendo ao apelo que fiz em abril de 2004 à necessidade de uma Companhia Aérea que atendesse à emergência de ligações suscetíveis de carrear os fluxos de turismo do Sal, e mais tarde da Boa Vista às outras ilhas, Simões Coelho, valendo-se das competências que detinha em aeronáutica e das funções que exercia na Air Luxor, tratou de lançar as bases para a constituição da Halcyon Air, um processo de grande complexidade, exigente e moroso, mas que fez o seu caminho, com peripécias pelo meio dignas de uma fábula, até resultar, já sob o comando e a influência de Jorge Spencer Lima, no arranque das operações em 2008, não só com as referidas ligações das duas ilhas de chegada intensiva de turistas, Sal e Boa Vista, com charters para Santiago, Fogo, S. Vicente, S. Nicolau e mesmo Maio, fretadas pela Morabitur, empresa sua fundadora, gerida com mestria pelo jovem mas experiente Benoit Vilain, aliás também cônsul de França no Sal, como ainda com uma operação regular triangular de qualidade reconhecida, de grande profissionalismo e pontualidade, passando a permitir a circulação fluida, antes impensável, de quem quer que necessitava de idas e regressos de curta duração, incluindo no próprio dia, entre as ilhas do triângulo essencial Sal/Santiago/S. Vicente. Infelizmente, como “não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe”, problemas de vária ordem, técnica, financeira, entre outras, endógenas e exógenas, ditaram o fim precoce de uma experiência que merecia melhor sorte.
Talvez o rebento mais fecundo gerado pela tertúlia Clube Vela tenha sido o lançamento pela Unotur dos EITU (Encontros Internacionais de Turismo).
O arranque destes Encontros Internacionais teve lugar no Mindelo, na Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Barlavento, de 16 a 19 de junho de 2005, numa joint venture entre a Unotur e a ANMCV (Associação Nacional de Municípios), que por seu lado dava sequência ao seu 1º Encontro Intermunicipal de Turismo, havida no ano transato.
Com
patrocínios da Câmara Municipal de S. Vicente, dos TACV, da TAP, da Air Luxor, da Oásis Atlântico, do Mindelhotel, da Soltrópico, da Morabitur, da Agytur, da Contacto Virtual, da Enacol, da
Shell e da CPL Events, a
Unotur, na altura presidida por António Manuel Lobo, dirigida por Sophie
Vynckier e secretariada por Nelson Évora, reuniu as personalidades mais
representativas da Política, da Economia e do Turismo do país, e trouxe mesmo
algumas personalidades do Turismo mundial, casos de Ousmane Ndiaye, representante
da Organização Mundial de Turismo para África, ou Abdelattif Ettyebi, do
Turismo de Marrocos.
Por essa
altura não era tarefa fácil organizar no Mindelo um evento de vários dias para mais
de uma centena de participantes, a maioria não residentes. Desde reposteiros
para as amplas janelas da Associação até ventoinhas de climatização, passando pelas
plantas de ornamentação, o catering dos coffee-breacks ou a
formação intensiva de assistentes, os imprevistos que foram surgindo
sucederam-se, e sem a expertise da Linda Pereira na organização de
grandes eventos, que a levou a
precaver-se com uma semana de trabalho prévio no local, não teria sido possível
o sucesso que foi este primeiro EITU.
Ainda
assim, ficou para a história da pequena política de bastidores um incidente
protagonizado pelo então Embaixador em Portugal, Onésimo Silveira, que de boa
fé convidáramos para uma intervenção na sessão de abertura do Encontro. Na
véspera, o Nelson Évora veio, alarmado, dar-me conta de que se preparava um
boicote de vários Presidentes de Câmara ao Encontro, alguns deles oradores e
moderadores dos painéis, se se mantivesse essa intervenção. Incapaz de
interpretar, e muito menos de sanar contendas dessa natureza, recorri a quem podia
acudir à situação, e foram a influência e a capacidade de persuasão do
Presidente António Manuel Lobo, juntamente com Gualberto do Rosário que,
durante o pequeno almoço no hotel Porto Grande, meia hora antes da abertura, obtiveram
a anuência de Onésimo para não fazer a indesejada intervenção. E tudo acabou
por se passar com grande aprumo e satisfação geral, largamente expressa dois
dias mais tarde pelos participantes no jantar de encerramento à volta da
piscina do Porto Grande…
Este Primeiro Encontro Internacional de Turismo, ao dar também continuidade ao Segundo Encontro Intermunicipal deste setor, foi determinante para a introdução de um debate mais profundo e alargado sobre o futuro da Economia do país, pois atingiu dois objetivos importantes, a saber, colocar por um lado o foco desse debate na indispensável sistematização da respetiva temática, e por outro, ao sair dos locais costumeiros de programação destes eventos, Santa Maria, na ilha do Sal, e Praia, na ilha de Santiago, transmitir um sinal forte sobre a necessidade de diversificar a oferta turística que Cabo Verde tinha para desenvolver e oferecer. Com a significativa presença no Encontro da estrutura autárquica e institucional do país, desde o Presidente da Associação Nacional de Municípios Américo Silva a oradores e moderadores como Isaura Gomes, Orlando Delgado e Filomena Ribeiro, entre outros, a par de um lote de empresários de peso, como Manuel Monteiro, Adriano Cruz, José Pedro Oliveira, Mário Paixão, Franklin Spencer, António Canuto, António Manuel Lobo ou António Gualberto do Rosário Almada, bem como dos mais proeminentes responsáveis da Administração Pública, estava garantida a diversificação, não só temática como sociológica e geográfica, que o Encontro pretendia como cunho da reflexão planeada: diversificação da oferta e papel dos Municípios, no primeiro painel; formação turística, no segundo; papel central dos transportes no desenvolvimento do turismo nas ilhas, no terceiro; Sociedades de Desenvolvimento Turístico, no quarto; marketing e mercados de origem, no quinto; sistemas de funcionamento do Turismo, no sexto. Tendo-se concluído o Encontro a questionar os participantes sobre que futuro pretendiam para o Turismo em Cabo Verde, uma espécie de aviso à navegação de que só continuando a debater, a programar e a trabalhar na concretização se conseguiria acalentar a esperança de que os objetivos e propósitos constantes das sacramentais “Conclusões e Recomendações” viessem a ser alcançados…
Na senda deste primeiro, outros seis Encontros Internacionais de Turismo se seguiriam, de intensidade e qualidade sempre crescentes, o sétimo e último realizado de 4 a 6 de dezembro de 2016, na Praia, com plena adesão de toda a arquitetura em que o Turismo assenta no país, desde a Presidência da República aos Governos Central e Local, à Administração Pública, às diversas organizações e empresas do trade do Turismo, como se pode aquilatar do Relatório detalhado que dele ficou para memória futura (caboverde-info.com).
Mas a importância dos EITU no contexto do planeamento turístico das duas primeiras décadas deste século apelam a mais que uma simples referência, não faltando certamente estudiosos, no empresariado, na governação e na academia, que extraiam das muitas dezenas de comunicações de sapiência que neles foram apresentadas e analisadas ensinamentos úteis para uma arquitetura equilibrada, eficiente e sustentável da oferta turística que o país tem o potencial de estruturar e disponibilizar, no espaço, no tempo e no modo adequados…
Ainda para a pequena história de bastidores, um belo dia de finais de 2009 alguém se lembrou de convidar um “famoso” para o Clube, daqueles que têm acesso fácil aos corredores da política, cujo ato único, certamente para dar corpo à promoção de uma biografia de um candidato a PR que acabara de publicar, foi o de organizar receções nos Palácios do Poder na Praia e no Mindelo, e o fluxo do sangue que corria, discreto, nas artérias oxigenadas de um grupo de empresários voluntariosos e generosos estiolou, naquele outono, absorvido por miragens de vazio. Mas nem por isso parou de correr pelos caules a seiva que nutria já a ramagem do pomar de projetos e empresas que durante aqueles seis anos fora semeado, regado, adubado e podado, e em cada primavera nele brotam ainda novos rebentos, que desabrocham em flores e frutificam, ao longo dos meses e dos anos…
Comentários
Enviar um comentário