34 - Por um Turismo de Boa Saúde
Sem prejuízo de precisões
técnicas mais apuradas, que não deixarão certamente de ser trazidas a estas
Jornadas, pode assim dizer-se que Cabo Verde, ao dobrar o cabo do milhão de
entradas turísticas anuais, aproximando-se a passos largos dos 6 milhões de
noites turísticas dormidas na sua rede hoteleira no mesmo período de tempo,
pode e deve buscar nichos de especialização dos seus produtos de bens e
serviços, de modo a proporcionar a quem nos visita, e ao mesmo tempo - há que sublinhá-lo - também aos residentes -, novas garantias e atrativos,
mais diversificados e mais qualificados.
Sendo a Segurança (sanitária, mas
também física, psicológica, económica, sociológica, ambiental e até jurídica)
uma condição determinante das escolhas dos turistas nas suas viagens, importa
cuidar de cada uma das faces deste poliedro delicado.
Venhamos então ao tema que aqui
nos traz, o da Saúde e Bem-Estar, e olhemos para o que dizem as estatísticas,
no que respeita à procura dos turistas pela oferta disponível nesta vertente.
O primeiro dado que ressalta aos
nossos olhos é o de que cerca de 60% dos viajantes em média se deparam com
algum tipo de problema de saúde durante as suas deslocações. Mas ficamos desde
logo a saber também que desses 60%, a maioria se resume à conhecida “diarreia
do viajante”; e que por outro lado só 3% contraem paludismo; que só 1,5% sofrem
de infeções respiratórias; e que complicações mais graves como hepatite A,
febre tifóide ou cólera são puramente residuais[1].
Por outras palavras, as
preocupações atuais de um destino turístico sustentável quanto à saúde
centram-se sem rodeios e antes de mais em garantir serviços de saúde pública para
as suas populações, que assegurem também aos visitantes, por um lado um quadro
endémico saudável, e por outro um atendimento pronto, tranquilo,
desburocratizado e de qualidade em caso de necessidade, num contexto de acordos
entre seguradoras dos países de origem e de destino[2],
no que respeita a visitantes, numa espécie de paridade semelhante à que foi há
muito conseguida em Cabo Verde com a moeda, de modo a assegurar o sossego que
só a previsibilidade pode conferir a quem viaja.
Importa, outrossim, relativizar
receios catastrofistas que por vezes aparecem sobrevalorizados no comentário
público quanto à capacidade de carga turística, um problema que, a meu ver,
está ainda distante dos nossos horizontes. Na verdade, analisando com
serenidade os números, percebemos que um milhão de turistas/ano não representa
mais, em termos médios constantes, do que cerca de 4% de acréscimo à população
residente no país, pese embora esta proporção poder subir muito nas ilhas do
Sal e da Boavista, quer pela maior incidência dos fluxos de turistas, quer pela
exiguidade das suas populações. Uma particularidade a ter em conta ainda assim nas
respostas a serem dadas nestas duas ilhas, em quantidade, em diversidade e em
qualidade.
Nesta conjuntura, e perante a
excelente iniciativa que aqui nos é anunciada de um investimento privado
prestes a ser operacionalizado que se inscreve precisamente na busca de
respostas a essa procura, com foco específico nos fluxos turísticos crescentes,
a pergunta que me ocorre propor a esta plateia de agentes interessados nessas
mesmas respostas, é a seguinte: --Dando como certo, em face dos pressupostos
atrás aduzidos, que compete ao Sistema de Saúde Público dar resposta às
necessidades de cuidados de saúde correntes, quer de residentes quer de
visitantes, em quantidade, em diversidade e em qualidade, em que espaço ou
dimensão pode ou deve movimentar-se a eventual iniciativa privada de médicos,
técnicos de saúde e empresários de dispensa de serviços de bem-estar a quem os
procure, e em particular aos turistas?
****************************************
Do ângulo de observação em que me
situo, que é o da procura, que, como sabem, acompanhei por dentro durante
décadas e que sigo ainda com empenho, em especial no âmbito do acolhimento a
turistas, individualmente e em grupo, e tentando ser o mais pragmático
possível, sem prejuízo de mais e melhores visões, e deixando considerações
sobre o core business mais especificamente clínico a quem tem essas
competências, eis algumas oportunidades que me parecem promissoras, e alguns
desafios que merecem, a meu ver, ser encarados:
A primeira grande oportunidade, e
provavelmente a mais óbvia é-nos oferecida pela geografia do arquipélago que é
a nossa casa, onde acolhemos quem vem até nós. Ora, como bem sabemos, por vezes
acontece que paradoxalmente o que é mais óbvio escapa às nossas análises por se
tornar vulgar e corriqueiro, e por isso temos tendência a desvalorizá-lo. Comecemos
então por nos questionarmos sobre as motivações mais comezinhas que trazem até
nós um número crescente de turistas. O que é que os atrai então a estes dez
grãozinhos de terra?
-Parece claro que vêm a Cabo
Verde em busca do clima dos trópicos; em busca do sol; em busca do mar; em
busca das dunas; em busca dos contrastes paisagísticos das nossas ilhas…
Vem-se a Cabo Verde para a
brandura da paisagem, para uma natureza sem ciladas, com uma fauna de aves, sem
animais ferozes, tanto em terra como no mar… Valorizar esta base idílica com o
conforto organizado e competente de cuidados de saúde e bem-estar, utilizando a
água, o ar puro, o contacto corporal, a comunicação emocional e psíquica, recorrendo
a hidroterapia, a massagens, a regimes de emagrecimento e aprendizagem de
hábitos alimentares saudáveis, ou, indo ainda mais longe, a programas de
reflexão e introspeção, eis um desafio que parece impor-se na hora de fazer
opções quanto à construção de uma oferta turística complementar aos cuidados
básicos de Saúde.
Outra oportunidade que me parece
enorme consiste em potenciar um valor que está na raiz da cultura cabo-verdiana
e parece adormecido, vítima da agitação dos tempos modernos: a Morabeza.
Dir-se-á que é uma ideia sonhadora, e é-o, certamente, mas talvez possa ser
muito mais que isso. E eu direi porquê:
v (i)primeiro,
porque é mais fácil e mais rápido desenvolver apetências naturais das pessoas e mesmo
das sociedades que as integram, do que modificar os seus comportamentos
tradicionais; e o carácter acolhedor e solidário do cabo-verdiano é uma
conotação endémica que só se perderá se não for reconhecido, valorizado,
acarinhado, estimulado e incentivado, com a vantagem nada negligenciável de se
estar a constituir em simultâneo um investimento precioso na valorização e na
autoestima dos próprios prestadores de serviços;
v (ii)em segundo
lugar, porque, se prestarmos atenção, perceberemos, em acréscimo, que a procura
de bens intangíveis por parte de quem viaja em lazer, como a empatia, a
comunhão de pensamento e de experiências, ir ao encontro da diversidade e da
complementaridade de opiniões e convicções, descobrir a riqueza de novas
culturas, fomento de novas amizades, é uma constante nas aspirações mais genuínas de quem viaja, paralelamente aos programas mais visíveis do turismo
ativo e das ocupações de lazer.
Uma terceira ideia a explorar é a
de se aproveitar a diversidade das nossas ilhas para corresponder à necessidade
de espairecer de quem vem até nós quase sempre de um mundo urbano,
artificializado e hiper-regulado. Um vasto campo aberto a opções que lhe proporcionem
banhos de natureza, liberdade e descontração, e interfaces de simbiose com a
cultura e a vida local das populações, agregando à oferta de lazer programas de
valor acrescentado que combinem entre si efeitos terapêuticos, educativos,
sociais, ambientais e éticos.
Vêm-me à ideia os banhos de
limo e areia e os banhos de pocinha, tradicionais na ilha de S.
Nicolau, mas não será difícil redescobrir outras tradições regeneradoras na
Brava, na Boa Vista, no Maio ou aqui no Sal, sem excluir as outras ilhas, restaurá-las,
valorizá-las e convertê-las em oferta turística de primeira água, com
especificidade, originalidade e valor acrescentado.
Muito mais haverá a discorrer
sobre oferta complementar de Saúde e Bem-Estar em Cabo Verde, mas gostava de
terminar este desafio ao debate com uma pequena provocação, benigna mas, a meu
ver, nuclear: refiro-me ao problema crónico da conectividade.
E como uma imagem vale mais que
mil palavras, olhemos uns minutos para estas infografias[3],
que agregam algumas das entidades que em Cabo Verde interagem na complexa
construção multipolar em que se movem os fluxos do Turismo, para nos
questionarmos até que ponto esta constelação aparentemente tão harmónica e fluente
tem aderência no terreno a um grau de planeamento, de operacionalização, de
monitorização e de avaliação que torne cada uma delas o elo atuante e eficaz
que dela se espera para se chegar aos resultados projetados.

Muito
obrigado.
[1]
Bouchaud, 2003
[2] Os
seguros de saúde são sem dúvida um tema central a ter em conta por quem investe
na prestação de serviços no setor. Falar de saúde preventiva, cuidados de saúde
primários, hospitalização, repatriamentos, cuidados paliativos, medicina
estética, ou discutir preferências de medicina pública ou medicina privada, faz
correr rios de tinta, e a atividade seguradora é de extrema relevância, quer
seja assumida e paga pelos Estados, quer seja suportada pelo cidadão, e por
isso é indispensável a quem investe saber como se movem as grandes empresas do
setor segurador, quais as coberturas dos assegurados, e quem as garante.
[3] 1. Direção Geral do Turismo e Transportes, Ministério do Turismo e Transportes; 2. Federação das Associações de
Turismo de Cabo Verde; 3. Direção Nacional da Administração Pública; 4.
Associação Nacional de Municípios; 5. Cabo Verde Trade Invest; 6. Núcleo
Operacional para a Sociedade de Informação; 7. Casa do Cidadão; 8. Direção
Geral de Modernização Administrativa; 9. Inspeção Geral das Atividades
Económicas; 10. Instituto de Gestão da Qualidade e da Propriedade Intelectual;
11. Conselho Superior das Câmaras de Comércio; 12. Sociedades de
Desenvolvimento Regional; 13. Organizações Não Governamentais; 14. 15. 16. 17.
18. 19. 20.
Comentários
Enviar um comentário