33 - Sugestão de um Produto Hoteleiro diferenciado em Cabo Verde
Dediquei-me,
como é consabido, durante algumas décadas, à organização de fluxos de turistas
para Cabo Verde, vindos principalmente de Portugal e de vários países europeus.
Mas não foi menor a minha preocupação continuada, juntamente com colaboradores
e parceiros, em refletir e convidar outros players
a debruçarem-se em cada momento sobre a especificidade da oferta turística para
que Cabo Verde se vocaciona, o que induz reflexão simultânea sobre qual o marketing apropriado para
incentivar os mercados a programarem Cabo Verde na sua oferta. Foi nessa
perspetiva que organizei, no seio da Unotur-CV (União Nacional dos Operadores
Turísticos de Cabo Verde), e depois da Câmara de Turismo de Cabo Verde (CTCV), 7
Encontros Internacionais de Turismo (EITU), entre 2005 e 2016, cujos
conferencistas, moderadores e participantes, de composição muito heterogénea e
representativa, nacionais e internacionais, trouxeram ao debate nesse período
um acervo muito vasto e aprofundado de ideias sobre os caminhos que a indústria
nacional do Turismo era chamada a percorrer.
De
2017 a 2020 colaborei intensamente com o Ministério do Turismo, e o esforço de
reflexão sobre o Turismo redobrou, com Mesas Redondas e Retiros Temáticos em
todas as ilhas, de que foram redigidos relatórios circunstanciados, e que
desembocaram num documento orientador (GOPEDST - ou Grandes Opções do Plano
Estratégico para o Desenvolvimento Sustentável do Turismo), o qual, por sua
vez, serviu a seguir de base para a elaboração de Master Plans por ilha, por empresas
internacionais altamente conceituadas. Não tendo tido oportunidade de
participar em novos debates desde 2020, aproveito o convite da TuriMagazine
para aqui sugerir, entre outros projetos em que trabalhei, o de um conceito de
hotelaria que, estou convicto, alinha com o core
business das melhores propostas de produto hoteleiro de
grande qualidade de Cabo Verde ao mercado. Chamei-lhe, sem pretensões de direitos
de autor, TURISMO DE REFLEXÃO E EXPRESSÃO. Eis, de seguida, as suas
traves-mestras, à atenção de quem disponha de meios para a sua eventual concretização.
A - Conceito
Pretende-se com a expressão “turismo de reflexão”
acrescentar ao conceito mais genérico, já conhecido e de prática corrente, de turismo cultural, a componente
de reflexão; na aceção da expressão muito utilizada de “brain storming” (tempestade cerebral), ou seja, de uma busca
intensa da verdade que liberta e da criatividade que enriquece, aplicadas a
princípios, leis, sistemas e quaisquer outros eixos de pensamento e de ação que
regem o fluir da vida do cidadão hodierno.
Precisando melhor, esta REFLEXÃO, seguida de
EXPRESSÃO, está para o turismo cultural como o turismo ativo está para o
turismo de lazer, entendido este último como a fruição mais ou menos passiva
dos serviços e equipamentos de que se compõe a oferta turística clássica. Com
uma diferença: enquanto que o turismo ativo é a fruição dinâmica das
componentes que estão na base da organização do turismo de lazer, o turismo de
reflexão procura, aproveitando esse ambiente de lazer, entender as razões
profundas, quer estáticas quer dinâmicas, do funcionamento do espírito e da
cultura.
No entanto, esta nova forma de fazer turismo não terá
que visar exclusivamente a reflexão, e traduzir-se-á na prática na agregação de
uma componente cultural de reflexão, seguida de registo em expressão, à oferta
mais genérica do turismo de lazer, aproveitando a descontração psicológica
gerada por esse mesmo lazer para levar mais fundo a atitude reflexiva dos
turistas que escolham esta modalidade, ao nível da raiz das suas motivações e
do seu entendimento das grandes opções humanas, e gravando o resultado como
legado para os próprios e para a sociedade.
B - Base lógica do conceito
Enquanto que o séc. XX foi o século da revolução
industrial, do consumo, das autonomias, do marxismo, do capitalismo e dos
sindicatos, o séc. XXI será, acredito, o século do conhecimento universal e da
comunicação, da globalização, do individualismo regulamentado, do ecletismo virtuosamente
fragmentado (sociedade-mosaico), num quadro de trajetórias cruzadas em que,
vindos do K como medida informática, visaremos o YOTTA, a caminho de outras
medidas de grandeza em evolução exponencial que apenas adivinhamos, e, por
outro lado, reduzimos as embalagens desse mesmo conhecimento, a caminho de YOCTO,
a volumes inframicroscópicos.
Ou seja, vivemos uma era em que cada indivíduo,
para se reenquadrar nesta verdadeira galáxia de seres humanos muito
diferenciados e dos infindos desenvolvimentos que ele cria, em vagas sucessivas
e contínuas, fazendo-nos flutuar num magma próximo do caos, terá
obrigatoriamente que dedicar uma parte significativa das suas energias a refletir
sobre si próprio, os seus semelhantes, o universo, na busca de um sentido para
o seu próprio viver, privado e agregado, que intui como cheio de perspetivas,
mas necessitando de um rumo capaz de conferir ordem à desordem aparente…
C - Base sociológica do conceito
A esperança de vida, impulsionada pelos enormes
progressos da biologia, da química, da tecnologia e da ciência em geral,
duplicou em poucas décadas, e tenderá em breve a triplicar, assente na
descodificação integral do ADN.
Em sentido contrário, a demografia reduz-se na
proporção inversa da esperança de vida e do progresso científico e económico
que a sustenta.
Cada vez há mais pessoas, comunidades e países a
aceder ao progresso, logo a uma vida longa, logo ao conhecimento, logo ao lazer
de que podem e devem beneficiar as pessoas…
Neste quadro, é por demais evidente que, mesmo que
aumente a idade das reformas, novas manifestações de atividade e lazer deverão
surgir para ocupar uma franja da sociedade que antes ou não existia ou era
residual: a dos recém-reformados (60 aos 80), que não só continuam
intelectualmente e ainda fisicamente ativos, como tendem a constituir uma
classe sociologicamente interessante e preciosa para a comunidade, acumulando
reservas de sabedoria e experiência cuja perda para a comunidade seria
imperdoável.
Por outro lado, as novas gerações levam muito mais
longe as etapas ditas de formação básica, colando mestrados às licenciaturas, e
doutoramentos e MBAs aos mestrados, podendo estimar-se em 20 ou mais por cento
os cidadãos que, nas sociedades mais evoluídas, tendo terminado esta fase
académica das suas vidas à volta dos trinta, lançam por sua vez as bases da sua
vida civil entre os 30 e os 40, e chegam aos 40 numa situação de solidez
interessante e nova, que lhes permite e os incita a uma etapa de consolidação
madura do conhecimento e das convicções nos mais diversos quadrantes de um
viver diferente. Além, naturalmente, dos estratos de população mais madura,
incluindo o dos próprios jubilados.
Eis o panorama em que, a par dos seminários,
congressos, fora, reciclagens e tantas outras ações que as associações,
fundações, universidades e demais instituições públicas e privadas fomentam, este
conceito de TURISMO DE REFLEXÃO E EXPRESSÃO se insere: na charneira entre o
lazer a que aspiram e a apetência/necessidade de progressão no conhecimento que
têm as elites cada vez mais numerosas e amadurecidas da sociedade.
D – Base económica do conceito
Os mercados que originam fluxos importantes de
Turismo estão inundados de oferta barata, e proliferam mesmo operadores
parasitas que se desenvolvem como rebentos adventícios das crises de
crescimento da hotelaria, da aviação e de outros setores da indústria do
turismo, que acabam por alargar consideravelmente o espetro dos consumidores de
lazer pelo mundo inteiro, com maior ou menor qualidade.
Alguns operadores, em especial na Europa Central,
numa estratégia de atuação vertical, absorvem outros operadores mais pequenos,
por vezes pagando-lhes a peso de ouro, numa lógica de domínio que redunda numa
tendência de massificação da oferta.
No entanto, continua a haver consumidores que exigem qualidade diferenciada
e sabem que ela tem o seu preço. Por um efeito de pirâmide, esse alargamento
progressivo da oferta turística mundial em quantidade e variedade, induz a
estratificação e especialização dessa oferta, fazendo aparecer no vértice de
tal pirâmide produtos de alto teor de exigência, diferenciação e valor
acrescentado.
A clientela dos hotéis ditos de charme, em
que se insere o conceito de turismo de
reflexão e expressão aqui abordado, é naturalmente restrita, mas existe, e
está em crescimento, por razões que acima ficam claramente apontadas.
É, pois, num estrato social alto, erudito e
sedento de valores que encontraremos essa clientela. Ou seja, os interlocutores
aqui visados serão operadores especializados, associações, universidades,
clubes, etc., e o respetivo marketing
terá que direcionar-se para esses meios, adotando as ferramentas de promoção a
eles adequadas.
O desenvolvimento do conceito do turismo de
reflexão e expressão parece entretanto dever analisar finamente quais as
tendências do próprio conceito da qualidade, pois as novas elites, que serão o
público-alvo consumidor desta vertente da oferta turística, não devem ser
confundidas com as que procuram o luxo pelo luxo e pelo prestígio de
ostentação, típicos da onda de novo-riquismo que as sociedades ditas
desenvolvidas atravessaram nas últimas décadas.
Porque a qualidade reside num sábio equilíbrio
entre conforto, eficácia, saber, responsabilidade social e preservação do meio
ambiente, características que devem presidir à instalação dos hotéis da marca aqui
sugerida e aos serviços a ela associados.
E – Operacionalidade do conceito
O turismo de reflexão assentará sobre 7 parâmetros basilares, a
saber:
1.- Normas estruturantes da atividade de reflexão que tracem
caminhos, regras e limites dentro das melhores práticas e que confiram a esta oferta
específica a fecundidade que dela se espera, por um lado, e a mantenham em índices
altos de ética e rigor, por outro lado, sem prejuízo do exercício da máxima
liberdade de pensamento e expressão, quer pelo lado da oferta quer pelo lado da
procura.
2.- Promotores da reflexão, que serão sempre sumidades seniores do
pensamento e da ação humanos, a quem a vida ativa conferiu estatuto de
autoridade nas diversas matérias a abordar, e que podem aceitar períodos de
férias prolongados nos hotéis dedicados a esta forma de turismo, dispensando
como contrapartida o seu saber, a sua emoção e sua capacidade de os debater,
partilhar e expressar.
3.- Turistas aderentes a esta forma de fazer turismo, oriundos dos
estratos sociais acima descritos (C), de qualquer proveniência, incluindo Cabo
Verde, tendo embora em linha de conta a intercomunicabilidade (deverão ser
providenciados, ainda assim, meios técnicos, como a tradução simultânea, bem
como um auditório que proporcione as melhores condições para o diálogo e o
debate).
4.- Produção editorial ou artística
A reflexão de cada grupo (uma ou duas semanas) dará lugar à edição
de um opúsculo, uma obra de arte, uma peça audiovisual, etc., a entregar ou a enviar
posteriormente aos participantes, em condições a determinar nas normas (ponto 1
acima).
O conjunto das reflexões e expressões em que se transformem, ou cada uma
por si, poderão originar obras de maior porte e profundidade, a editar pelos
animadores ou/e pela organização, individualmente ou em conjunto, relativas ao
universo da reflexão resultante do período monitorizado por cada Promotor.
5.- Cadeia específica de hotéis adequados aos objectivos em análise.
Foi desenvolvida uma pesquisa preliminar sobre o conceito físico e
programático destes hotéis, de que se destaca a identificação de algumas
características, como o número de quartos (entre 60 e 120, de preferência), o
espaço envolvente (sereno e com muita natureza), equipamentos apropriados para
reuniões de intenso diálogo e debate entre pessoas de diversas proveniências,
gestão adequada ao conceito, e com formação específica para o mesmo,
eventualmente uma distribuição temática que caracterize cada hotel, por forma a
atrair clientela conotada com o tema programado para cada período, promovendo
uma desejável complementaridade programática entre as unidades do grupo/marca,
no espaço e no tempo… Nada obsta a que hotéis já instalados integrem esta
cadeia/marca, no pressuposto de que se enquadrem nos quesitos das suas normas,
ou introduzam valências eventualmente em falta.
6.- Centros de Interpretação
Cada hotel desta cadeia deverá incluir um Centro de Interpretação que situe
os visitantes no contexto ambiental, social e histórico da região em que se
insere, com uma oferta mínima de serviços nas três vertentes conhecidas destas
estruturas: informação, oferta cultural e bar.
7. Localização
Os Master Plans mandados elaborar pelo Ministério do Turismo em 2020 contêm
sugestões detalhadas sobre os sítios mais aconselháveis para a instalação de
estruturas turísticas em cada ilha.
F – Oprtunidade do conceito
Nos anos 90 do século passado assistiu-se, numa primeira resposta
significativa em matéria de oferta hoteleira, ao incremento dos fluxos de
turismo para o arquipélago, centrada na ilha do Sal. Na primeira década de
2000, continuou a ser o Sal a ilha do Turismo por excelência, ampliando e
melhorando a sua oferta, mas surgiu com força a ilha da Boa Vista, com apostas
de algumas cadeias de hotéis de turismo de grande fôlego. Na segunda década
deste século foi a vez da ilha de Santiago de alargar substancialmente a sua
oferta hoteleira, aqui mais direcionada para negócios, o mesmo ocorrendo em
algumas outras ilhas.
Ultrapassado o parêntesis originado pela pandemia do SARS-CoV-2, parece
desejável que emergisse uma rede de hotéis temáticos que privilegiasse a
qualidade, que pusesse em destaque os argumentos mais genuínos que Cabo Verde
tem para oferecer em termos de produto turístico, que visasse nos mercados de
origem as camadas mais exigentes e com maior disponibilidade, quer de tempo,
quer de interesse, quer financeira, que permitisse, desde logo pela sua
dimensão, disseminada em unidades de investimento interligadas, com economias
de escala e redução de custos de contexto, uma maior afirmação do investimento endógeno.
G – A oferta de produto turístico em Cabo Verde
A gama da oferta temática em que cada unidade hoteleira se pode inspirar
para projetar o seu plano estratégico é vasta, e permite graus de
especialização ou de conjugação variados e criativos. Eis, à guisa de
conclusão, uma infografia da oferta turística que as ilhas de Cabo Verde podem
disponibilizar e desenvolver:
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