1. A Praça Alexandre de Albuquerque
No seu organismo
intrínseco, o coração era sem dúvida a Esplanada, onde se sucedia no decorrer
do dia a fina flor da sociedade praiense em breves encontros para uma bebida
social e uns petiscos, em especial a meio da manhã, para o ‘coffee break’, e à
tardinha, quando iam encerrando os Escritórios, o Comércio, as Escolas...
O chafariz, em
pleno meio, era um refresco agradável, e atraía bandos ruidosos de crianças nas
suas brincadeiras chilreantes ao redor, ou algum par de namorados enlaçados, conversando
baixinho, sentados no rebordo de pedra mármore.
Canteiros bem
cuidados emprestavam à Praça uma elegância quase fidalga, a que os dois bustos
dos ex-governadores Alexandre Serpa Pinto e Alexandre de Albuquerque conferiam
nobreza.
Dezenas de acácias
de flor amarela, antigas, verdejantes e frondosas, ofereciam abrigo do sol
escaldante nas horas de calmaria, e filtravam frescura ao cair da tarde,
convidando os passantes a ocuparem em cavaqueira amena os bancos de ripas que abrigavam.
No topo norte, a
olhar para a rua da República e para o bulício das cargas e descargas junto ao Mercado,
sentavam-se os engraxadores, sempre solícitos com os clientes de colarinho
branco, necessitados de resgatarem do pó das ladeiras o brilho dos sapatos,
atividade que alternavam com pequenos consertos de que ‘fregueses’ habituais os
incumbiam...
Na esquina do
Tribunal, no enfiamento da rua Serpa Pinto, a do Cinema, o quiosque, em que a
oferta era mais de artesanato e recordações do que de imprensa, a local distribuída
por ardinas de tenra idade, e a de Lisboa por assinatura, transportada no voo
semanal...
O Coreto, do lado
da Sá da Bandeira, em frente à SERBAM, ganhava vida às quintas e domingos ao
final da tarde, quando a Filarmónica, magistralmente regida pelo saudoso professor
Jorge Fernandes Monteiro, de pseudónimo Jotamont, mas mais conhecido por Jorge
Cornetim, lançava os primeiros acordes do hino nacional, que à época era o hino
português, após o que se sucediam coladeiras, mornas, cúmbias, merengues...
Sobretudo aos
domingos, a cidade confluía na Praça, ataviada das suas vestimentas mais ‘uptodate’,
pois a Praça era a passerelle da capital, num ritual que se repetia,
semana após semana, na faixa circundante, em movimento de ponteiros de relógio,
do Rádio Clube à Casa Feba, Farmácia do Leão, Caxito, Serbam, Abel Cruz, Bomba
de gasolina, Dentisteria Manuel Olímpio, Tribunal, Catedral, Canto do Palácio,
Câmara Municipal, Banco Nacional Ultramarino... O desfile arrancava ao cair da
tarde em pequenos grupos, que se iam adensando até se tornarem multidão,
fluindo sem parar, afrouxando à hora do jantar, e retomando em força logo a
seguir, até noite dentro...
Como todas as
praças centrais das grandes cidades, a Praça Alexandre de Albuquerque, outrora
Praça do Pelourinho, ainda de pé quando, em 1832 Darwin por ali passou, guarda
memórias que vale a pena contar, à semelhança das anciãs que por esses tempos
anteriores à TV se sentavam à borda da rua e entretinham por longos minutos a
meninência (e mesmo os mais crescidos, diga-se) com contos que começavam
invariavelmente por “Era um vez...” e terminavam incontornavelmente por “...sapatinha
ribera riba, sapatinha ribera baxo; quem qui sábi más ta conta midjor”...
Gostei, Armando, da boa pena que me remeteu lá longe onde as memórias guardam dias de muita amizade e cumplicidade juvenil a despontar para o "atrevimento". E que venham storias
ResponderEliminarAbraços aos meus amigos de sempre
Obrigado, amigo. Apareces como desconhecido. Gostaria de saber com quem tenho o prazer de estar a dialogar.
EliminarEsta primeira parte da narrativa deve continuar porque há mais Lembranças para ser contada nesta história durante aquela época.
ResponderEliminarÉ grande recordação que nos faz reviver coisas bonitas da minha juventude.
Força amigo
Obrigado, amigo(a). Apareces como desconhecido(a). Gostaria de saber com quem tenho o prazer de estar a dialogar.
EliminarContinua que há muito pano para mangas... Abraço
ResponderEliminarCaríssimo Padre Afonso, sim, muita coisa há a deixar por aqui, numa de voltarmos a reunir recordações do que foi um tempo cheio de (bom) trabalho e de muita convivência de alta qualidade. Abraço.
EliminarLembro-me bem do dia, deve ter sido em 1973, em que nos informou que ia deixar de ser o nosso professor de Cântico e Coral porque, estando sentado na esplanada e não se ter levantado quando a banda no coreto tocou o “Heróis do Mar”, fora demitido pelo então Secretário Geral da Província, por sinal o meu conterrâneo Tito Lívio Feijóo. Votos de boa saúde e muitas felicidades. Um abraço.
ResponderEliminarCarlos Burgo
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