1. A Praça Alexandre de Albuquerque

No dealbar dos anos setenta do século passado, a Praça Alexandre de Albuquerque era o centro nevrálgico da cidade da Praia.

No seu organismo intrínseco, o coração era sem dúvida a Esplanada, onde se sucedia no decorrer do dia a fina flor da sociedade praiense em breves encontros para uma bebida social e uns petiscos, em especial a meio da manhã, para o ‘coffee break’, e à tardinha, quando iam encerrando os Escritórios, o Comércio, as Escolas...

O chafariz, em pleno meio, era um refresco agradável, e atraía bandos ruidosos de crianças nas suas brincadeiras chilreantes ao redor, ou algum par de namorados enlaçados, conversando baixinho, sentados no rebordo de pedra mármore.

Canteiros bem cuidados emprestavam à Praça uma elegância quase fidalga, a que os dois bustos dos ex-governadores Alexandre Serpa Pinto e Alexandre de Albuquerque conferiam nobreza.

Dezenas de acácias de flor amarela, antigas, verdejantes e frondosas, ofereciam abrigo do sol escaldante nas horas de calmaria, e filtravam frescura ao cair da tarde, convidando os passantes a ocuparem em cavaqueira amena os bancos de ripas que abrigavam.

No topo norte, a olhar para a rua da República e para o bulício das cargas e descargas junto ao Mercado, sentavam-se os engraxadores, sempre solícitos com os clientes de colarinho branco, necessitados de resgatarem do pó das ladeiras o brilho dos sapatos, atividade que alternavam com pequenos consertos de que ‘fregueses’ habituais os incumbiam...

Na esquina do Tribunal, no enfiamento da rua Serpa Pinto, a do Cinema, o quiosque, em que a oferta era mais de artesanato e recordações do que de imprensa, a local distribuída por ardinas de tenra idade, e a de Lisboa por assinatura, transportada no voo semanal...

O Coreto, do lado da Sá da Bandeira, em frente à SERBAM, ganhava vida às quintas e domingos ao final da tarde, quando a Filarmónica, magistralmente regida pelo saudoso professor Jorge Fernandes Monteiro, de pseudónimo Jotamont, mas mais conhecido por Jorge Cornetim, lançava os primeiros acordes do hino nacional, que à época era o hino português, após o que se sucediam coladeiras, mornas, cúmbias, merengues...

Sobretudo aos domingos, a cidade confluía na Praça, ataviada das suas vestimentas mais ‘uptodate’, pois a Praça era a passerelle da capital, num ritual que se repetia, semana após semana, na faixa circundante, em movimento de ponteiros de relógio, do Rádio Clube à Casa Feba, Farmácia do Leão, Caxito, Serbam, Abel Cruz, Bomba de gasolina, Dentisteria Manuel Olímpio, Tribunal, Catedral, Canto do Palácio, Câmara Municipal, Banco Nacional Ultramarino... O desfile arrancava ao cair da tarde em pequenos grupos, que se iam adensando até se tornarem multidão, fluindo sem parar, afrouxando à hora do jantar, e retomando em força logo a seguir, até noite dentro...

Como todas as praças centrais das grandes cidades, a Praça Alexandre de Albuquerque, outrora Praça do Pelourinho, ainda de pé quando, em 1832 Darwin por ali passou, guarda memórias que vale a pena contar, à semelhança das anciãs que por esses tempos anteriores à TV se sentavam à borda da rua e entretinham por longos minutos a meninência (e mesmo os mais crescidos, diga-se) com contos que começavam invariavelmente por “Era um vez...” e terminavam incontornavelmente por “...sapatinha ribera riba, sapatinha ribera baxo; quem qui sábi más ta conta midjor”...

Comentários

  1. Gostei, Armando, da boa pena que me remeteu lá longe onde as memórias guardam dias de muita amizade e cumplicidade juvenil a despontar para o "atrevimento". E que venham storias
    Abraços aos meus amigos de sempre

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    1. Obrigado, amigo. Apareces como desconhecido. Gostaria de saber com quem tenho o prazer de estar a dialogar.

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  2. Esta primeira parte da narrativa deve continuar porque há mais Lembranças para ser contada nesta história durante aquela época.
    É grande recordação que nos faz reviver coisas bonitas da minha juventude.
    Força amigo

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    1. Obrigado, amigo(a). Apareces como desconhecido(a). Gostaria de saber com quem tenho o prazer de estar a dialogar.

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  3. Continua que há muito pano para mangas... Abraço

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    1. Caríssimo Padre Afonso, sim, muita coisa há a deixar por aqui, numa de voltarmos a reunir recordações do que foi um tempo cheio de (bom) trabalho e de muita convivência de alta qualidade. Abraço.

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  4. Lembro-me bem do dia, deve ter sido em 1973, em que nos informou que ia deixar de ser o nosso professor de Cântico e Coral porque, estando sentado na esplanada e não se ter levantado quando a banda no coreto tocou o “Heróis do Mar”, fora demitido pelo então Secretário Geral da Província, por sinal o meu conterrâneo Tito Lívio Feijóo. Votos de boa saúde e muitas felicidades. Um abraço.

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